sábado, 31 de maio de 2014

Sem gêneros


___ Faz bem esquecer.
___ Duvido que vá conseguir.
___ Gosto do que me faz bem.
___ Eu te faço bem.
___ Em que momento.
___ Ali.
___ Muito dramático isso... uma cama desarrumada, lençóis amassados... não quero mais.
___ Agora que me usou?
___ Não... agora que não preciso mais me enganar.
___ Eu sempre te dou o meu melhor.
___ O seu melhor sorriso, o seu melhor perfume, o seu melhor sexo, ou seria o seu melhor pedido de não vá embora?
___ Pense no que quiser, mas eu preciso de você.
___ Precisar, verbo transitivo indireto, mas prefiro fazer como Mário de Andrade, fazer dele um verbo intransitivo.
___ Não há ponto final para o amor.
___ Céus, a que ponto você chegou! Está propondo a aquisição de reticências em nossa vida? Está dizendo que quer continuar de uma maneira escusa? Sim, porque reticências implicam em obscurantismo.
___ Faria qualquer coisa para manter você em minha vida.
___ Alguém disse que não devemos estabelecer relações ordinárias... pense nisso.
___ Não me está ofendendo, não ligo, quero estabelecer qualquer tipo de relação com você.
___ Os degraus da escada que levam ao fundo do poço não terminaram para você?
___ Não me humilhe!
___ Hum... excelente estratégia, deixou a súplica de lado... está buscando a indignação.
___ Amor...
___ Não ouse continuar... ficaria pior. Não sinto nada, nada, nada... nem pena eu tenho de você. Fique aí.
___ Só?
___ Com as lembranças que você inventou.

A porta bateu com força.

sábado, 17 de maio de 2014

Memórias de outrem

Quem foi que disse que dias estressantes terminam mal? Bem, não sei...
         Sem que nenhuma de nós percebesse, o sol foi saindo de banda, mansinho, deixou que o azul tomasse conta do céu, até que finalmente ela aparecesse, a lua.
         Hoje foi assim que se passou a minha tarde, sem que nem eu nem minha vizinha percebêssemos que as horas estavam passando, nem nos demos conta de que o horário do lanche havia passado e o jantar estava por fazer. Ah, hoje a pizza dominará a mesa.
         Dona de uma conversa agradabilíssima, essa amável senhora discursou sobre os meandros da literatura com uma propriedade nata de escritores. Falou sobre sentimentos que um dia foram registrados a tinta em alguns papéis, perguntei avidamente sua localização, mas como alguém que sabe deixar apenas o leve sabor de quero mais, minha interlocutora alegou não saber exatamente onde estavam.
         Quantas avós e mães escreveram seus pensamentos e depois os deixaram de lado dizendo que se tratavam apenas de “bobagens dos tempos de moça”?
         São tantas que não dá para contabilizar. Essas mesmas mulheres veem suas netas e filhas lendo obras que em muitos casos não valem sequer a encadernação que têm.
Especulo que escritoras maravilhosas se perderam por aí, deixaram seu talento nas gavetas, abandonados em folhas soltas, em pequenos pedaços de papel... no escuro.
Não ouso buscar motivos que expliquem tais atitudes, seria pretenso demais da minha parte, mas o que fazer então com toda essa vontade de saber o que pensavam?
Beco sem saída? Não. Basta pedir que puxem pela memória, que dialoguem conosco, ou, como no caso da minha vizinha, que tente encontrar a página que ainda sobrou, esse pedaço de passado que foi passando de gaveta em gaveta, de armário em armário até chegar aos dias de hoje.

Não fiz isso sem deixar bem claro que lerei com carinho, com respeito, com olhos da alma, porque de alma para alma que escrevo e leio o que produzem.