sábado, 14 de setembro de 2013

Alguns minutos

Quatro paredes brancas e silêncio negro, eles se olhavam, se interrogavam, se mediam.
___ Por que você não me quer?
___ Por que você acha que eu não quero?
___ Por que você não me ama?
___ Por que você acha que eu não amo?
___ Por que você não responde?
___ Por que você pergunta?
___ Eu quero você.
___ Eu nunca deixei de te querer.
___ Então... por que... ?
___ Chega de perguntas.
___ Elas existem porque não tenho as respostas.
___ E nem as terá, porque nem eu sei.
___ Eu sei que te amo.
___ Eu também.
___ Vamos apagar a luz?

___ Vamos acender a vida?

Para mi corazón

Déjame decirte que te quiero.
Déjame decirte que me haces feliz.
Déjame decirte que cometo errores.
Déjame decirte que no quiero quedarme lejos.

Perdóname si te dejé sólo.
Perdóname si tuve miedo.
Perdóname si no sé que hacer.
Perdóname si no sé quedarme sin ti.

Acércate a mi porque mi corazón te llama.
Acércate a mi porque mi porque no quiero llorar.
Acércate a mi porque mi porque puedo hacerte feliz.
Acércate a mi porque mi porque nuestras almas son hermanas.

Olvídete de lo ayer.
Olvídete de las palabras malas.
Olvídete de lo que pasó.

Olvídete de olvidarse de mi.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Desencontro

Quando você disser não,
não espere que eu diga sim.
Quando você não quiser,
não espere que eu queira.
Quando nossos corpos se fundirem,
não espere que eu não me entregue.
Quando o seu estiver em repouso,
não espere que o meu esteja também.
Quando você acordar,
não espere que eu esteja ao seu lado.
Quando finalmente você se decidir,
não espere que eu ainda queira.
Quando você me buscar,

não esqueça que eu parti.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Traços


Queria não escrever,
não verter em palavras
minhas ideias oblíquas,
mas não há nada pior na vida
que uma mente cheia
e uma folha em branco.

Por isso escrevo,
deixo marcas em algum lugar,
em linhas tortas,
feitas por mãos trêmulas.

Entrego meu sangue negro,
ou azul, ou vermelho,
marcas do grafite ou da caneta,
num pedaço de papel
ou folha de árvore.

Deixo-o para vocês,
para suas múltiplas íris,
de múltiplos olhos
de todas as raças,

meus queridos leitores.

Mentes empoeiradas

Mentes empoeiradas
         Eva nasceu da cor de chocolate, com olhos cor de mel; o corpo curvilíneo era um convite ao prazer, mas o paizão, Raimundo, tomava conta da filha de perto, não queria ninguém pousando no aeroporto da menina.
         Ela não se importava nem um pouco com a possessividade paterna, era tranquila, sensível, adorava ler e ir ao cinema. Com dezesseis anos, já não era apenas uma promessa de beleza, era a própria Afrodite em pessoa.
         ___ Raimundo, nossa filha já está grande, deixe-a namorar. __ disse Pérola, a mãe.
         ___ Não sei, fico preocupado. E se alguém fizer mal a ela? E se ela engravidar? Vai ser mais uma negra pobre, como tantas outras por aí, ainda por cima com um filho nos braços.
         ___ Não confia na educação que lhe demos? Eva não é nenhuma desavisada. Se prender, pode ser pior.
         ___ Vamos esperar mais um pouco.
         A garota já mexia com os hormônios dos marmanjos da escola, eles procuravam chamar a atenção dela sempre que podiam. Era sempre afável, mas parecia um pouco distante, quase fria. Guilherme era o único com quem conversava um pouco mais, achava-o simpático, um tanto tímido, mas muito inteligente.
         Embora fosse muito parecido com os outros garotos da escola pública em que estudava: brincalhão e irreverente, Guilherme sabia que a vida no morro não era fácil, mesmo com várias favelas pacificadas. As UPP’s (Unidade de Polícia Pacificadora) coibiam várias atividades ilícitas, mas não conseguiram extingui-las completamente, o tráfico continuava existindo e seduzindo muitos garotos iludidos com a aparente vida fácil e dinheiro rápido, a única saída era estudar e mudar de vida.
         Eva jamais se sentira atraída por homem algum, mas percebia os comentários maliciosos da vizinhança dizendo que nunca tinha namorado ninguém e que isso deveria ser sinal de algum distúrbio. Os pais não viam problema no fato de ela nunca ter tido esse tipo de envolvimento, melhor assim, a filha não era para qualquer um. Mas ela também se incomodava, sentia-se estranha, diferente.
         A jovem, que não vivia no mundo da lua, percebeu a paixão que Guilherme nutria por ela, mas não sabia como lidar com a situação, além da simpatia que tinha por ele, não conseguia sentir nada mais. No dia de sua festa de 17 anos, o rapaz se declarou para ela, que aceitou o pedido de namoro dele. Finalmente as pessoas não falariam mais de sua vida, teria um namorado!
         Raimundo e Pérola não se opuseram ao namoro, conheciam os pais de Guilherme e se davam bem com eles.
         O primeiro beijo foi depois de partirem o bolo. Ele beijou-a apaixonadamente, estava ansioso por sentir aquela boca, por tocar naquele corpo, mas Eva não sentiu nada, ou se sentiu, foi apenas o contato da língua dele na sua e a respiração acelerada do rapaz em seu pescoço.
         A morena resolveu não dar importância a isso, o primeiro beijo deve ser sempre assim, pensou.
         Outros beijos vieram e um ano se passou.
         ___ Esse namoro ainda vai dar em casamento. __ anunciou, feliz, Pérola.
         ___ Não sei, mãe, ainda quero viver outras experiências.
         ___ No que você faz muito bem, minha filha, não precisa ter pressa de casar, vá estudar primeiro!
         Mas, em seu íntimo, Pérola guardava a esperança de ver a única filha casada e mãe de muitos filhos. Raimundo era pai de dois meninos do primeiro casamento, mas menina, só a Eva.
         A formatura do Ensino Médio fora muito bonita, com direito a um discurso dos oradores da turma, o casal Eva e Guilherme. Para eles a batalha estava apenas começando, mas para muitos pais ali presentes, que sequer chegaram a completar o primeiro grau, era uma grande emoção.
         Guilherme era a felicidade em pessoa, eles estavam estudando desde o início do ano em um pré-vestibular comunitário, e prestariam o último exame para a universidade na semana seguinte.
         ___ Eva, já estamos juntos há um ano e eu te conheço desde que éramos crianças. Poxa, amor, não aguento mais! Você sabe como eu fico só de chegar perto de você. Não é possível que não veja!
         ___ Essa conversa de novo, Guilherme!
         ___ Eva, qual é? Eu te amo!
         Ela sabia que o momento estava próximo, mas resolveu ganhar mais tempo.
         ___ Gui, vamos fazer o seguinte: deixe as provas passarem, estamos na reta final do vestibular, não vamos perder o foco agora.
         ___ Você está certa, amor. Depois voltaremos a conversar.
         Eva sabia que a trégua não demoraria muito tempo, mas ainda assim, vencera uma pequena batalha.
         Guilherme estava tentando uma vaga para Contabilidade, sempre fora bom em matemática e estava estudando desde o início do ano passado, quanto a Eva, tentaria Arquitetura no vestibular, havia terminado o curso de desenho no início do ano anterior e alguns professores sugeriram que ela tentasse para essa área, pois perceberam o talento da jovem.
         Ela sabia que não faria apenas provas convencionais, também enfrentaria uma prova específica, algo que no início quase fizera com que ela desistisse do curso, mas os pais, orgulhosos dos desenhos dela, incentivaram-na.
         Mais uma vez, Eva e Guilherme saíram vitoriosos das batalhas que enfrentaram, ambos passaram para os cursos desejados. Inscrições feitas nas respectivas universidades, era a hora de comemorar, mas a dois.
         ___ Eva, olha... eu... não sei como falar... __ disse Guilherme.
         ___ Tudo bem, já sei o que é. __ respondeu Eva, séria.
         ___ Nossa, você falando assim, eu fico até sem jeito.
         ___ Tudo bem, não precisa ficar assim, mas, tem uma coisa que eu quero que você faça.
         ___ Pode falar.
         ___ Guilherme, eu vou direto ao assunto. __ respirou fundo e disse___ Quero que você use preservativo.
         ___ Não vejo problema nenhum nisso. Acho que você está certíssima.
         Depois de alguns dias, eles saíram. Eva estava razoavelmente tranquila, já o namorado estava bastante tenso, tinha um medo enorme de falhar.
         O quarto escolhido era simples, não havia muito o que olhar. O único objeto que chamou atenção de Eva foi um quadro de uma mulher nua, de costas. A moça de repente ficou imaginando se aquela mulher realmente posara para o pintor ou se era apenas uma imagem que ele tinha na cabeça? Se ela existia de verdade, como era então seu rosto?
         Guilherme, interpretando o silêncio dela como nervosismo, puxou conversa, falaram sobre como havia sido o dia, o clima e outros assuntos banais. Finalmente ele beijou-a e começou a tirar as roupas deles. Eva continuava calma, mas sentia que algo não ia bem, seu corpo não respondia.
         Consciencioso, ele não se esqueceu da promessa feita e colocou o preservativo. Sabia que ela sentiria um pouco de dor, mas se esforçaria para que fosse o mínimo possível.
         ___ Ai, tá doendo!
         ___ Desculpa, amor, é assim mesmo. Quer que eu pare?
         ___ Não.
         O rapaz sentiu quando o hímen se rompeu, sabia que a região íntima dela estava dolorida, não quis seguir em frente até alcançar o próprio orgasmo, porque isso causaria mais dor ainda a ela.
         O sangue entre as pernas não a assustou, o que a constrangeu foi olhar o namorado. Embora estivessem nus, ela não o admirava, não achava nada nele bonito. Ele ainda estava excitado e ela nem se lubrificara.
         Daquele dia em diante, Guilherme pensava em Eva como sua noiva, sua futura mulher, de mais ninguém.
         As noites que passavam juntos não chegavam a ser um suplício para Eva, mas não eram prazerosas, o namorado percebia isso, mas não encontrava maneira de tocar no assunto com ela. Para ele, era como se sua própria masculinidade estivesse em jogo, como se o fato de ela dizer que ainda não tivera um orgasmo, significasse que ele era um fracassado.
         Ainda no primeiro período da faculdade, Eva revelou ser tão popular quanto na escola, todos se encantaram com a morena do morro.
         Ela defendia a ideia de que grandes áreas das comunidades ou, estruturas mistas, como chamavam alguns arquitetos, não precisavam ser colocadas abaixo a fim de se fazer novas áreas, o problema maior não era a má qualidade das construções e sim a grande densidade populacional. Segundo ela, a arquitetura tinha um papel social a ser exercido, e isso abrangia acolher os desejos das famílias que moravam naquele ambiente.
         Eva se identificou muito com Taís, colega de curso, moça concentrada e estudiosa. A amizade entre as duas era muito sincera.
         Aos poucos o namoro de Eva com Guilherme foi se desgastando, o rapaz descobriu que ela tomava anticoncepcional escondido dele. Indignado, exigiu explicações, queria saber o motivo de tal atitude.
         ___ Eu não quero correr o risco de ter filhos antes da hora! __ disse Eva.
         ___ Mas nós não teríamos filhos antes da hora! __ berrou ele __ Nós usamos preservativo! Esqueceu? Dificilmente isso poderia acontecer.
         ___ Ainda assim, eu não quero correr risco nenhum.
         ___ Agora estou entendendo tudo! Você não quis foi correr o risco de ter uma ligação duradoura comigo! Você tem outro! Eu sei!
         ___ Eu não tenho ninguém!
         ___ Tem, sim! Traidora! Nunca se entregou para mim de verdade, nunca sequer tentou disfarçar a frieza na cama!
         ___ Chega! __ gritou Eva __Chega! Acabou, Guilherme, acabou!
         Guilherme foi embora com lágrimas nos olhos, mas algo na atitude de Eva indicava que o rompimento era definitivo.
         Os pais da moça tentaram de todas as maneiras fazer com que ela se reconciliasse com o namorado, mas Eva foi firme, estava tudo acabado e ponto final.
         Thaís ouviu a história toda em silêncio, achava que a amiga era tão feliz quanto ela, Thaís, era com Rafael. Se bem que Eva pouco falava sobre si. A amiga não se conteve, abraçou Eva com carinho.
         Eva sentiu algo estranho dentro de si, queria prolongar aquele abraço, sentir mais ainda o cheiro dos cabelos de Thaís, da pele da moça, do gosto que ela deveria ter.
         Assustada, Eva se desvencilhou bruscamente do abraço, mas o incômodo aumentou ainda mais quando ela olhou para a boca de Thaís. Os lábios da jovem eram finos, rosados e pareciam ser doces, macios. A volúpia tomou conta de Eva, de repente seu corpo parecia ter sido tomado por uma força totalmente diferente, a vontade era uma só: beijar Thaís e não parar mais.
         ___ Olha, Thaís, obrigada, mas eu preciso ir.
         ___ Qualquer coisa me liga.
         Confusa, Eva preferiu fugir, não tinha certeza do que estava acontecendo. Sempre estivera acostumada a sentir o desejo dos homens por ela, escolhera Guilherme por ser ele um grande amigo, mas não sabia como lidar com o seu próprio desejo, ainda mais por ser ele por uma mulher.
         Passou o final de semana todo pensando no que lhe acontecera, os pais perceberam que ela estava calada, mas sabiam do término do namoro com Guilherme e associaram isso a sua mudez.
         Na segunda-feira, ela foi à aula normalmente, encontrou Thaís, mas preferiu ficar um pouco mais distante, procedeu assim a semana toda. A amiga, que não era boba, percebeu e a chamou para conversar.
         ___ Eva, o que está havendo? Você está tão estranha.
         ___ Não é nada, só estou um pouco atrapalhada com as matérias.
         ___ Isso não justifica o fato de você não mais se sentar perto de mim. Ou você acha que eu não percebi?
         ___ Ai, amiga, desculpe, por favor, me desculpe. Eu sou estranha mesmo.
         ___ Não vai me contar, não é?
         ___ Asseguro-te que não é nada demais.
         A jovem estava infeliz, finalmente estava entendendo um pouco do que se passava com ela: nunca tivera um orgasmo, nunca se sentira excitada com Guilherme, nenhuma parte do seu corpo correspondia as carícias dele, achava o beijo extremamente mecânico.
         ___ Não pode ser!
         ___ O que foi, filha? O que não pode ser?
         Ainda no que se pode chamar de estado de choque, Eva não conseguiu responder a pergunta da mãe.
         Um tumulto enorme formava uma tempestade dentro dela. Dor, mágoa, medo, desespero, tudo misturado e se movendo rapidamente em uma sucessão psicodélica de sentimentos.
         Aquele foi o pior período dela na faculdade, as notas diminuíram muito, o sorriso fácil sumiu, as palavras foram economizadas tanto com os amigos, quanto com a família.
         Eliane, professora de Projeto de Arquitetura Dois, percebeu a mudança radical em Eva, queria conversar com ela, saber o que estava havendo, mas não sabia como se aproximar. Até que o destino se incumbiu de resolver esse impasse.
         A professora viu a moça encolhida num canto distante do campus e viu que ela estava chorando. Foi chegando devagar, para não assustá-la, sentou-se ao seu lado e ficou em silêncio, até que Eva percebesse sua presença. Passado algum tempo, pousou a mão em suas costas, o choro foi cessando devagar.
         ___ Eliane, desculpe.
         ___ Está se desculpando por quê? O que acha que fez de errado?
         ___ Nasci.
         ___ É uma maneira estranha de definir um problema.
         ___ Eu não quero falar sobre isso.
         ___ Mas o seu corpo quer, ele está pedindo ajuda. Você estava chorando, eu vi, e estou aqui para te ajudar.
         ___ Acho que ninguém pode me ajudar, só nascendo de novo.
         ___ Como essa é uma coisa que você não pode fazer, então que tal me contar o que está havendo para eu ver se posso te ajudar? E, por favor, nada de dizer que ninguém pode fazer isso, vamos pular essa parte.
         Eva acabou sorrindo, o primeiro sorriso em dias, já não suportava mais o peso do segredo dentro dela, queria se abrir com alguém. Iria se arriscar.
         ___ Eliane, eu sempre me senti um pouco deslocada, estranha mesmo. Os rapazes da minha escola sempre caíam de amores por mim, mas eu nunca gostei de nenhum deles, mas resolvi que estava na hora de namorar alguém, as pessoas já achavam estranho que eu nunca tivesse namorado, isso não é muito comum. Onde eu moro, as meninas começam a se relacionar com os garotos muito cedo, tem uma vizinha minha que começou a namorar com treze anos... escolhi o Guilherme, que era meu amigo de infância, meus pais conheciam, enfim, uma pessoa bacana. Começamos a namorar no dia do meu aniversário, ele sempre foi muito delicado comigo, inclusive na nossa primeira transa, mas eu nunca senti desejo nenhum por ele, nunca senti prazer em ir para a cama com ele. Não vou fazer a linha de moça ingênua e fingir que não percebi, mas fingi que não era real, que uma hora iria mudar tudo isso, que eu seria normal.
         Eliane preferiu não interromper a moça, que parecia tão aflita, mas começou a perceber qual era o “problema” dela.
         Chorando novamente, Eva prosseguiu com a narrativa.
         ___ Não tenho explicação plausível para o que eu fiz, mas... fui a um ginecologista e pedi que ele me receitasse um anticoncepcional, mesmo eu e o meu ex sempre usando preservativo, não quis correr o risco de engravidar. O Guilherme descobriu e ficou furioso comigo, terminamos. Uma amiga minha acabou sabendo de tudo e me chamou para conversar. Eliane, quando ela me abraçou, eu senti muitas coisas, fiquei... __ ela se interrompeu.
         ___ Eva __ era um momento delicado, Eliane teria de manter a calma a fim de não perder a jovem __ Eva, por favor, continue, eu estou entendendo onde você vai chegar. Não pare agora.
         ___ Eliane, eu fiquei excitada, foi incrível. Não toquei em parte nenhuma do corpo dela, foi ela quem me abraçou, mas eu senti um calor incontrolável, uma vontade de beijá-la, de tocar nos cabelos dela, de ..., de ver como deveriam ser os seios dela, a barriga, de tocar todos os centímetros daquela pele. Ai meu Deus, quase estraguei a minha amizade! Imagine o que ela iria pensar! Não quero ser assim, não pode ser verdade, eu não sou isso!
         ___ O que é ser “isso” __ Eliane enfatizou essa palavra__ para você?
         ___ É ser errada, diferente... Não, Eliane, não pode ser... eu não sou...
         ___ Você não é...
         ___ Eu não sou lésbica! __ a palavra saiu como uma explosão, doída, arranhando todas as entranhas de Eva para sair.
         Eliane ficou penalizada pela moça, não por sua sexualidade, mas pelo seu preconceito, pela dor que aquilo ainda iria causar a ela.
         ___ Eva, calma, ser homossexual não é o fim do mundo.
         ___ Eliane, você não entende. Sou a única filha mulher do meu pai e filha única da minha mãe. Jamais vou ter filhos, não vou casar com um homem, não vou ser nada do que eles esperam. Eu não sou nada!
         ___ Como você se culpa, Eva! Quem te disse que você não poderá ter filhos? Que conversa é essa de não ser nada. Quer dizer que você acha mesmo que ser lésbica ou gay é não ser nada? Deixamos de ser seres humanos então?
         Sem perceber, Eliane se entregou. Ela não escondia sua homossexualidade, mantinha um casamento de onze anos com uma mulher, todos na universidade sabiam disso, mas não costumava falar isso para os alunos, não queria despertar a curiosidade deles, sabia que tanto homens como mulheres tinham imagens distorcidas do lesbianismo.
         Eliane continuou, quase que com fúria:
         ___ Deixamos de ser filhas, de ser mulheres, de ser trabalhadoras? Não, Eva! Continuamos sendo tudo isso! Muitas mulheres são estereotipadas, estão tão acostumadas a ideia de que lésbica ou “sapatão”, como dizem por aí, têm que ser machonas, ter comportamentos masculinos, como se pelo fato de gostarem de mulher significa que queriam ter nascido homens. Eva, isso não é verdade, essas criaturas ficam se autocaricaturando. Você, minha querida __ Eliane resolveu abrandar o seu discurso__ e eu também, foi educada para corresponder a um papel feminino, para me relacionar afetiva e sexualmente, com o sexo oposto. Isso não quer dizer que nossos pais estão errados, eles fizeram o que achavam certo, mas cabe a nós seguir nossa vida, nossos impulsos... sermos felizes!
         ___ Mas, Eliane, e se isso foi só com o Guilherme, talvez se eu me relacionar com outro rapaz, vai passar. Talvez eu consiga que as coisas sejam diferentes.
         Eliane percebeu como Eva estava perdida.
         ___ Você até pode tentar, é um direito seu, mas você estará se enganando. Eva, a atração que você sentiu foi real, tanto que você mesma admitiu que nunca se sentiu atraída por nenhum rapaz da sua escola. Diga-me: quantos homens passaram pela sua vida? Quantos garotos foram na sua casa te chamar para brincar? Quantos garotos te chamaram para sair e você recusou? O seu ex,  Guilherme, não é? O seu próprio ex foi escolhido porque você se sentiu coagida a ter um namorado, por uma exigência sua. E aposto que só o escolheu porque sabia da enorme paixão que ele deveria nutrir por você, porque sabia que ele suportaria muita coisa calado, que ele te cobraria pouco, que ele não exigiria muito de você. Pare de se enganar, de uma vez por todas!
         Eva, mais uma vez, teve sentimentos contraditórios, ficou feliz por saber que alguém próxima a ela sentia as mesmas coisas, mas ficou triste de constatar a veracidade do que ela estava falando.
         Eliane intuiu o que ela estava pensando e disse:
         ___ Coragem, menina, coragem. Há muitas leituras que você pode fazer sobre o assunto. Tenho um livro muito especial que você deve dar uma olhada. Passe na minha sala quando puder, não canso de ler e reler algumas passagens. Emprestarei com prazer.
         ___ Obrigada, Eliane, passarei lá. Vou pensar em tudo o que você me disse.
         ___ Pense, te fará muito bem. Agora eu tenho que ir, mas... acho que foi muito bom para nós duas essa conversa. Você não está sozinha, não estará nunca.
         Eliane abraçou-a rapidamente e se foi, sabia o quanto ela ainda teria que percorrer para se aceitar, não queria que ela confundisse as coisas.
         A hora era aquela, hora de levantar a cabeça e ir em frente, retomar os estudos e deixar o tempo passar. E assim foi.
         Para comemorar o final do segundo período da faculdade, o pessoal da turma resolveu se reunir em uma danceteria, na zona sul da cidade.
         Eva adorou o lugar, nunca havia ido a um lugar daquele.
         O espaço era fantástico, cheio de cores e um som bem alto, quase não se ouvia o que o outro estava falando. Eva se deixou levar pela música e dançou. Estava animada, conseguira melhorar seu rendimento na faculdade, tinha que comemorar em dobro.
 Um rapaz se aproximou dela e perguntou qual era o seu nome, ela respondeu, ao que prontamente ele fez uma brincadeira. Inebriada pelo momento, ela sorriu. Rapidamente ele a puxou para si e tentou beijá-la a força. Eva resistiu e gritou com ele, mas a música alta abafou as vozes alteradas. Ao que tudo indicava o homem estava bêbado e não entendia a recusa dela. A situação estava piorando quando alguém a segurou e falou em seu ouvido.
         ___ Fique tranquila, vou te tirar daqui, esse cara está bêbado.
         Eva se deixou conduzir por aquela voz, não sabia quem era, mas percebeu que estavam se dirigindo para a saída. Com a respiração ainda ofegante, ela virou-se a fim de agradecer a pessoa que a ajudara.
         ___ Oi.__ disse Eva ao se deparar com uma moça um pouco mais velha do que ela, dona de um rosto sonhador e bonito __ Muito obrigada. Você me salvou.
         ___ Não precisa agradecer. Vi que aquele ridículo estava bêbado e queria arrumar encrenca. Meu nome é Dayane.
         ___ Meu nome é Eva.
         ___ Você ainda quer ficar aqui? Eu já estava de saída.
         ___ Quero ir embora também, mas vou dar tchau para os meus amigos.
         Dayane foi com Eva, ela acenou para os que estavam mais próximos e foi embora. Já do lado de fora, suas pernas tremeram tanto que Dayane teve de ampará-la.
         ___ Dayane, mais uma vez obrigada. Não sei o que houve.
         ___ Eu sei, Eva. Vamos, meu carro está bem próximo daqui.
         Dayane levou-a a uma lanchonete que ficava aberta vinte e quatro horas, próxima dali.
         ___ Você precisa comer alguma coisa. __ disse Dayane __ e nem adianta recusar. Aqui eles têm uns sucos maravilhosos.
         Feitos os pedidos, Dayane e Eva começaram a conversar, falaram sobre a danceteria e o que havia acontecido por lá. Eva soube que a recém-amiga era médica, trabalhava na clínica do pai.
         ___ Bom, Dayane, está tarde e eu já vou indo.
         ___ Eu te deixo em casa.
         Eva não queria abusar da gentileza da amiga, mas aceitou a oferta deu seu endereço e foram conversando. Trocaram telefones e ficaram de se falar no dia seguinte.
         Foi Eva quem ligou primeiro. Marcaram de se encontrar na praia no final da tarde, para passearem na orla.
         Ao chegarem ao Arpoador, Dayane sugeriu que sentassem na pedra a fim de ver o pôr do sol. Em silêncio, viram o céu mudar de cor. O clima entre as duas era de profunda intimidade, como se já soubessem de algo que tinham em comum, mesmo sem terem dito nada. As mãos se aproximaram, se tocaram tímidas, mas cheias de vontade de perdurar o contato. Não havia quase ninguém por ali, não haviam olhos indiscretos que pudessem constatar aquele momento único na vida de ambas: o beijo que trocaram.
         Os olhos de Eva estavam marejados de lágrimas, a boca estava seca e a garganta fechada, não conseguiu dizer nada, o silêncio foi preenchido por novos beijos, por novas carícias, por secretas promessas.
         Dayane deixou Eva em casa. Elas passaram a se falar diariamente por telefone. Algumas vezes foi Raimundo quem atendeu ao telefone, começou a estranhar essa amizade da filha. Uma amiga que ninguém conhecia e que aparentemente não era da faculdade, quase sempre saíam juntas, para ele isso era muito estranho. Pérola, como sempre, apaziguou o marido, dizendo que isso era normal.
         Eva sabia que o relacionamento delas teria que ser consumado, mas dessa vez não estava calma, estava extremamente nervosa, não sabia o que fazer na hora h. Dayane sabia de Guilherme, sabia como havia sido a primeira vez de Eva e estava a par do doloroso processo de reconhecimento pelo qual a amada passara.
         A noite que elas tiveram foi como um sonho. Dayane morava sozinha em um pequeno apartamento próximo da clínica. Ao chegar lá, Eva viu uma linda mesa de jantar.
         ___ Perfeito. __ disse Eva.
         ___ Fico feliz que tenha gostado, não sou muito boa cozinheira, mas arraso nas saladas.
         Eva riu, riu alto e beijou Dayane.
         Durante o jantar, não pararam de se olhar, de entrelaçar as mãos, deram comida uma para a outra, tiraram a mesa juntas e foram para o quarto uma nos braços da outra.
         Dayane, a cada peça que tirava de Eva, dava um beijo nela, assim beijou-a levemente em todas as partes de seu corpo. Eva não procedeu assim, ao tirar as roupas de Dayane, tocava-lhe o corpo a fim de assegurar-se de que era real. Nuas se contemplaram com paixão e encantamento.
         Dayane passou a língua lentamente por aquele corpo de ébano, beijou, mordiscou, lambeu sugou. Em espasmos cada vez maiores, Eva correspondia, gemia, ansiava pela boca de Dayane, no que era prontamente atendida, até que tudo começava novamente. Eva não sabia bem por onde deveria começar, mas colocou Dayane de costas, beijando cada centímetro daquela pele perfumada, virou-a de frente e beijou-lhe os seios perfeitos, sugou-os de leve, tocou-os e brincou ali por algum tempo.
O ventre de Dayane era liso e quente, Eva mordeu de leve a cintura bem marcada da namorada, alternando entre mordidas e beijos, mais abaixo ficou meio perdida, um resquício de vergonha passou por sua cabeça, mas foi um breve lampejo. Sentiu na ponta da língua o gosto da mulher que estava com ela, e gostou, passou todo o seu rosto por ali. Tocou a intumescida vulva de Dayane até que ela gozasse em sua boca, com espasmos violentos. Eva não permitiu que tal prazer deixasse de ser sentido em toda a sua boca.
___ Deliciosa. __ disse Eva sem pudor
Dayane, ficou impressionada com a performance de Eva, imaginava que ela seria mais... simples. Motivada por isso, beijou, sugou mordiscou cada centímetro do corpo de Eva, até ela ter um orgasmo.
Exaustas, deitaram lado a lado na cama, rindo, felizes. Dayane ligou o radio e a voz de Dionne Warwick cantando “I'll Never Love This Way Again”, inundou o ambiente.
___ Day, eu não vou embora da sua vida. Não agora que descobri quem eu sou.
___ Sempre que ouvir essa música vou pensar em você e na sua promessa.
Sorriram uma para a outra.
Mesmo com os horários pouco convencionais de Dayane e o término das férias de Eva, elas conseguiram manter certa rotina de encontros.
___ Amor, vamos à praia no sábado? Saio da clínica e vou direto para lá, nos vemos por volta das quatro horas. __ disse Dayane.
___ Combinado. Saudade de você.
___ Eu também. Tenho que ir agora.
A tarde estava linda, Eva estava feliz, a vida era maravilhosa, estava amando, a faculdade ia muito bem, não tinha motivos para tristezas.
Dayane estava linda, o rosa caia muito bem nela, combinava com sua pele clara. Ela não correspondia a nenhum estereótipo, nada nela indicava masculinidade, muito pelo contrário, assim como Eva,  Dayane era muito feminina.
___ Vamos tomar uma água de coco? __ perguntou Dayane __ Tem um quiosque muito legal que inaugurou agora, estou louca para conhecer.
___ Só se for agora.
Chegando lá, as meninas perceberam que se tratava de um espaço GLS, logo, se sentiram a vontade para namorar um pouco. Eva, pela primeira vez, se deixou levar pelo momento e não teve a preocupação de olhar em torno e ver quem estava passando, estava feliz e nada aconteceria num dia lindo como aquele.
___  Mãe __ disse Isabel __ aquela ali não é a Eva?
___  Onde, filha?
___ Ali, com aquela menina, naquele quiosque.
No exato momento em que Léia olhava na direção que a filha estava apontando, Eva deu um beijo em Dayane.
___ Jesus, foi por isso que ela terminou o namoro com o Guilherme! Coitado do meu filho, sofreu tanto! Ela é sapatão! __ disse furiosa __ Vou lá falar com ela, dizer umas verdades para essa... essa.... invertida!
___ O que é isso mãe?! Deixe-a em paz!
Mas Léia já tinha o coração contaminado pela mágoa e pelo ódio, acompanhara a tristeza do filho e não deixaria barato o que ela achava que Eva tinha feito com ele. Uma ideia se delineara em sua cabeça. Contaria tudo aos pais de Eva, ainda naquele dia.
___ Vamos, Isabel, vamos. Não quero continuar olhando isso.
Assim que chegou, Léia foi à casa de Raimundo e Pérola, ignorando os apelos de Isabel para que não fizesse isso.
A conversa com eles foi muito difícil, o pai da jovem ficou encolerizado, dirigiu-se ao quarto da filha e começou a jogar tudo no chão, arrancou as roupas dela do armário, quebrou o porta retrato com a foto da família, rasgou algumas anotações de aula que estavam na mesa de estudo. Assustada com o que havia feito,  Léia correu para casa e lá ficou.
Quando chegou a casa e viu suas coisas reviradas e objetos quebrados, Eva imediatamente entendeu que algo de muito ruim deveria ter acontecido. Pai e filha ficaram frente a frente, olhos nos olhos. Os dele, injetados, vermelhos e os dela, decididos e firmes.
___ Sua... __ gritou o pai.
___ Raimundo, não ouse falar isso, ela é minha filha também e eu não vou deixar! __ retrucou Pérola.
As vozes estavam alteradas, apenas Eva observava a tudo como se não estivesse ali.
___ Você sabia! Você sabia dessa palhaçada! __ vociferou mais uma vez o pai.
___ Eu não sabia de nada, realmente me pegou de surpresa. Ainda vou ter de me acostumar com a ideia, mas vou tentar, pelo menos tentar, entender a minha filha.
___ Pois eu não quero saber! Não a quero mais aqui dentro da minha casa!
___ Na nossa casa! __ retrucou Pérola, com uma voz cortante.
O marido olhou-a surpreso. Pérola sempre fora uma mulher tranquila, de voz mansa.
___ Defendendo a filhinha, que lindo! __ ironizou Raimundo.
Marido e mulher olharam-se como dois gladiadores na arena.
___ Parem! __ o grito partiu de Eva, dessa vez __ Parem! Vocês dois parem de brigar.
___ Eu vou sair, não quero ouvir a sua voz imunda. __ disse Raimundo, em tom amargo, doido.
Ele saiu batendo a porta, deixando as duas mulheres em meio a tudo aquilo, tendo apenas o amor delas para consolá-las. Se abraçaram e arriaram no chão lentamente. A filha pousou a cabeça no colo da mãe, como fazia quando era criança, e assim ficaram por quase uma hora, até que as palavras foram surgindo.
___ Mãe... e... e agora... ?
___ Eu não sei filha...
___ O meu pai...
___ Vai passar...
___ Nós sabemos como ele é cabeça dura.
___ Fique tranquila.
___ Mãe, eu preciso te explicar o que houve, como foi que tudo aconteceu.
___ Filha, dê um tempo para a sua mãe. Sou uma mulher simples, não tive muito estudo, seu pai também não. Não é fácil para mim entender tudo isso... Percebi que você estava diferente, cheia de segredos, sempre no telefone com essa menina... Ah, filha... pessoas como nós, eu e seu pai, temos mentes empoeiradas, antiquadas, não temos ideias arejadas como a de vocês jovens. Nós nascemos em um tempo em que a mulher tinha que casar e ter filhos... a vida se resumia a isso. Mas você, meu amor, você... nós quisemos que estudasse, que fosse alguém...
___ Mãe... eu não deixarei de ser alguém... vou continuar sendo sua filha, vou terminar minha faculdade, vou conquistar o meu lugar no mercado de trabalho... mãe... preciso tanto de você!
Cada palavra penetrava como um espinho no coração de Pérola, ela sabia muito bem o que a filha iria enfrentar. Em sua mente, já se formara todo um cenário de dor e tristeza. Será que era culpa sua a filha ter ficado assim? Em que momento ela errara na sua criação? Deveria ter sido mais dura? Como ela gostaria de saber o que houvera e poder corrigir, mas era tarde demais, o mal já estava feito.
___ Filha, precisamos conseguir um lugar para você ficar... pelo menos até seu pai esfriar a cabeça.
Eva não respondeu, olhava em volta assustada. Tudo quebrado, rasgado, sua vida em frangalhos por conta da ignorância, da intolerância e da desinformação.
Pérola ligou para uma irmã que morava no “asfalto”, gíria do morro para indicar pessoas que moravam fora da favela. Explicou superficialmente o que ocorrera, limitando-se a dizer que Eva tivera uma briga com o pai e teria de passar uns dias fora de casa. A tia pediu que a menina fosse imediatamente.
Chegando lá, Joana disse que ela poderia ficar no antigo quarto de Glauce, prima de Eva, que casara recentemente. A jovem não tirou nada das bolsas que levara, deixou tudo como estava, encostado em um canto da parede, como se com aquilo pudesse esquecer da cama e do quarto diferente do seu, da vida, que dali para frente, não seria a mesma, e dormiu, dormiu um sono pesado e sem sonhos até o dia seguinte.
A tia esperou que ela acordasse para tomarem o dejejum juntas.
___ Bom dia, tia.
___ Bom dia, querida.
O café animou-a um pouco.
___ Tia Joana, sempre gostei muito da senhora...
___ Eva __ atalhou Joana __ não precisa falar agora. Imagino que algo de muito sério deve ter acontecido na sua casa para você ter saído de lá assim.
___ Eu... eu quero falar, preciso falar, não quero mais me esconder.
Eva contou sua história, desde sua infância até o dia anterior, se emocionou ao falar do pai e de como queria agradá-lo, de como lutou contra sua atração por suas amigas, de como foi difícil passar por tudo aquilo.
___ Eva, você ainda não ligou para a Dayane, ela nem imagina o que aconteceu com você. Ligue para ela, chame-a para vir aqui, assim vocês poderão conversar melhor. Mas antes de fazer isso, ligue para Pérola, ela deve estar preocupada.
___ Tia, você é maravilhosa! Obrigada.
Eva tranquilizou a mãe, logo depois ligou para a namorada, preferiu não adiantar o assunto pelo telefone, apenas deu o endereço da tia e disse que estaria lá o dia todo, que não iria à faculdade naquele dia.
Dayane ficou indignada quando ouviu o relato do que acontecera na casa de Eva. Sua trajetória havia sido muito diferente, seus pais aceitaram sua opção sexual desde que ela contou para eles, até porque Dayane não tentou esconder, jamais tivera um namorado, mas entendia Eva e não a recriminaria.
___ Eva, quer ir para o meu apartamento?
___ Dayane, eu te agradeço, mas não vamos precipitar as coisas.
___ Não estou precipitando nada, eu te amo, quero ficar com você. Está na hora de você conhecer os meus pais, eles vão te adorar. Venha... estou pedindo.
___ Dayane, eu também te amo. Vamos fazer o seguinte então: ficarei mais um tempo aqui com a minha tia, vou pegar o restante das coisas na minha casa, vou me estabilizar um pouco. Era para eu te contar que estou participando de um processo seletivo para um estágio remunerado, acabei esquecendo. Vamos ver como tudo isso vai ficar. Depois te dou uma resposta definitiva, tá bom?
___ Tudo bem, Eva, eu entendo.
___ Quanto aos seus pais, também quero conhece-los, e quero que você conheça a minha mãe, ela também vai gostar muito de você.
Joana havia deixado as meninas a sós para conversarem, mas Eva chamou-a e fez questão que ela soubesse quem era Dayane. As duas tiveram uma empatia mútua, pareciam velhas amigas, chegaram inclusive a trocar receitas.
Eva foi selecionada para o estágio, começaria a trabalhar em breve, finalmente a vida começava a entrar nos eixos, falava com a mãe todos os dias e às vezes se encontravam para conversar um pouco. O pai continuava irredutível, não queria saber da filha, mas Pérola já estava mais tranquila, sabia que Eva estava bem na casa de Joana.
___ Tia, podemos conversar um pouco.
___ Claro.
___ Tia, agradeço por tudo o que fez por mim, mas vou aceitar o convite da Dayane para morarmos juntas. Agora que estou trabalhando, já não vou me sentir um peso para ela, acho que pode dar certo.
___ É assim que se fala! Pode contar comigo sempre que precisar.
___ Sei disso, tia e agradeço muito.
Na mesma praia, no mesmo quiosque, Eva contou para Dayane sua decisão, o sorriso que iluminou o rosto da médica sanava qualquer dúvida que pudesse haver no coração da estudante. O beijo foi só um brinde a mais uma manhã ensolarada do Rio de Janeiro.