terça-feira, 30 de julho de 2013

Labirinto

Um amigo disse isso: “Nós seduzimos pela nossa complexidade.”, achei maravilhosa essa visão que ele tem de nós, de mim e dele, mas não sou ingênua, ou egocêntrica demais para crer que esse nós se resume a eu e ele, não, acredito que várias pessoas seduzem pela sua complexidade, mas, o complexo em algum momento se torna destrincado.
Como manter então a relação? Difícil saber, se usamos nossa complexidade com o fim de seduzir, de aproximar, se no fim não sabemos manter. Uma boa pedida talvez – não aprecio contundência, prefiro a dúvida, as múltiplas possibilidades – seja pensar no que nos motivou apresentar tão claramente o que aqui chamarei de “nossos labirintos íntimos”. 
A paixão, o desejo, o prazer deve partir, a princípio, de nós para nós mesmos, porque é nisso que consiste a nossa complexidade, é isso o que faz com que as pessoas se aproximem de nós, que nos achem atraentes. Não são nossos olhos lacrimosos e pedintes que as faz permanecer ao nosso lado, é a nossa força vital, a nossa fé em nós mesmos!
Nós nos perdemos dentro do outro, por isso deixamos de ser complexos, por isso os afastamos da nossa essência. Dois corpos não se fundem, não seremos um só jamais!!!!! Entender e aceitar isso é essencial, é tarefa dificílima, às vezes só nos damos conta disso no momento em que já é tarde demais.

O sol se põe, o amor também, mas o sol jamais deixa de existir, nossa complexidade também não, desde que seja bem administrada, gota a gota, dia a dia, semana após semana, até que Chronos decida o que fazer de nós.

domingo, 28 de julho de 2013

Tramas da alma



             Laura estava tão imersa em seus pensamentos que mal percebia as pessoas na rua.
         O Carlos está tão diferente comigo, sei lá, um pouco frio, distante. O que está havendo com ele? Outras vezes ele também ficou assim, mas passou, acho que dessa vez vai passar também. Tem que passar!
         Pensando assim, chegou a casa e foi se arrumar para o encontro que teria com o amado. Carlos era um homem diferente, sempre reparava nas suas roupas, elogiava-lhe os acessórios e até mesmo os sapatos.
         Instintivamente, Laura sabia que algo de muito errado estava acontecendo, sentia que precisava deter a corrente de acontecimentos que estava prestes a chegar. Seu coração estava apertado, mas ela não permitiria que nada acontecesse.
         Vou de vermelho, ele sempre diz que essa cor fica linda em mim. Vou usar a sandália prata de salto agulha.
         Vestiu-se, maquilou-se e às oito da noite em ponto estava no portão de casa esperando ele chegar.
         Assim que o viu avançar de carro na entrada da rua, sentiu o coração disparar, impossível algo de ruim acontecer com ela tão lindamente vestida.
         ___ Oi amor, tudo bem? __ perguntou ela.
         ___ Sim, tudo tranqüilo. __ respondeu ele.
         ___ Carlos, hoje eu gostaria de ir àquele restaurante na Tijuca, o primeiro que fomos quando começamos a namorar.
         ___ Pode ser.
         A impressão que eu tenho é a de que ele está a anos luz de mim. Oh, Deus, me ajude, não permita que ele se afaste.
         Carlos nunca a impediu de beber, muito embora ele mesmo não consumisse uma gota de álcool. Laura pediu uma taça de vinho. Conversaram sobre assuntos gerais, trabalho, política e economia. Ela dominava os mais diversos assuntos, estava sempre muito bem informada, como consultora empresarial, era quase que uma obrigação saber muito sobre muitos tudo.
Carlos era engenheiro, viajava muito, e raramente passava mais de quinze dias por mês em casa. As viagens dele sempre a fascinavam, ele ia a lugares distantes do país e, às vezes, da América.
         ___ Vamos, Laura?
         ___ Só se for para o nosso cantinho favorito, com direito aquele café da manhã.
         Laura sorria, um sorriso insinuante, comprometedor.
         O manobrista, muito atencioso, sorriu-lhes. Já no elevador, Laura não se conteve, cobriu Carlos de beijos ardentes, no que foi prontamente correspondida.
         Que bobagem a minha, pensar que há algo errado, me beijando desse jeito, ele me ama!
         O quarto era sofisticado, com quadros discretos, bonitos.
         Laura tratou de colocar o som para tocar, um blues como ele gostava, lentamente ela se dirigiu para um pequeno palco que havia ali e começou a tirar as roupas. Carlos nunca a vira fazer um stripe tease, dessa vez, ficaria impressionado com a performance dela.
         Ele está excitado. Ótimo!
         Nua ela foi até a cama, despiu-o, deixando apenas a cueca. Carlos gemeu baixinho. Laura era um tanto quanto provinciana na cama, as relações eram sempre calmas, tranquilas, mas estava decidida a fazer tudo diferente. Com a ponta da língua foi experimentando o sabor da pele dele, ao chegar no abdômen, demorou-se, ficou ali, mordiscando, sem deixar de tocar o membro de leve. Alternava os movimentos lânguidos entre a virilha esquerda e a direita, sem pressa. Sabia muito bem como ele estava. Prendeu a cueca entre os dentes e foi baixando-a. a excitação dele era mais do que evidente, mas o tempo de Laura era outro. Mais uma vez ela passou a língua por ele, insensivelmente não onde ele mais gostaria. Dessa vez o gemido foi mais alto. Laura finalmente se aproxima, toca de leve, passa a língua e por fim o suga, de forma ritmada, metódica. Carlos a puxa quase com violência, a coloca sentada em cima dele. Ainda sem pressa, Laura impõe movimentos mais vagarosos, não quer que ele chegue ao êxtase rápido, obriga-o a ficar de lado, faz com que ele a possua das mais diversas maneiras. Carlos, em uma explosão de prazer, tem um orgasmo no momento em que ela o colocou sentado em uma cadeira.
         Arfantes, eles ficam em silêncio.
         Laura caiu no sono nos braços de Carlos. No dia seguinte, pediram o desjejum e ele a deixou em casa.
         Ainda assim, a inquietação de Laura com relação a Carlos não passou, ele não ligava mais para ela diariamente como fazia. Ela foi ficando cada vez mais irritadiça. Respondia mal à mãe, implicava com o irmão e acabou sendo grosseira com uma colega de trabalho.
         Não aguento mais, vou ligar para ele.
         Laura descobriu que Carlos estava no Mato Grosso e não lhe havia dito nada. Questionado sobre isso, ele respondeu apenas que a viagem fora apressada e que conversariam quando ele voltasse.
         Não estou gostando disso!
         Em duas semanas ele estava de volta. Como na última vez em que se viram, Laura caprichou no visual, colocou sua melhor roupa de banho. Carlos a chamara para dar uma volta na orla.
         Ele chegou tranqüilo, conversaram sobre a viagem até chegarem a Copacabana.
         ___ Carlos, fiquei um pouco triste quando tive que te ligar para saber que você estava viajando. Poderia ter me dito.
         ___ Você tem razão, me ligaram em cima da hora dizendo que era para eu viajar.
         ___ Tudo bem, o importante é que você está aqui agora e vai ficar tudo bem.
         Milagrosamente, encontraram uma vaga para estacionar. Aquela hora, com a praia cheia, isso era quase impossível de acontecer.
         ___ Laura, eu preciso falar com você.
         ___ Sou toda ouvidos, fala.
         ___ Eu quero dizer que você é maravilhosa, incrível mesmo, mas que não vai dar para continuar.
         ___ O quê?
         ___ Por favor, não me interrompa. É difícil, muito difícil para eu te falar tudo isso, mas eu percebo que você tem um sentimento por mim que eu não tenho por você.
         ___ Mas você gosta de mim, eu vejo isso nos seus olhos.
         ___ Laura, gostar é bem diferente de amar. Eu sou um cara complicado, difícil, estranho, não sei. Escuta, eu não quero te fazer infeliz.
         ___ Cretino! __ com a voz estrangulada, Laura não conseguia esconder sua dor. __ Safado! Só agora você me diz isso, gastei um ano da minha vida com você. Eu amo você! Eu sempre fiz tudo certo.
         ___ Eu sei, eu sei. A culpa não é sua, o culpado sou eu. Eu que não mereço uma mulher como você. Por favor...
         ___ Saia daqui! Vá embora!
         ___ Laura, eu não posso te deixar aqui sozinha.
         ___ Vá, agora!
         ___ Como você vai voltar? Deixa-me te levar.
         ___ Eu tenho dinheiro na bolsa, pego um ônibus, um táxi. Mas me deixa em paz.
         ___ Laura, amanhã embarcarei para a Argentina, devo passar uns dois ou três meses lá. Se precisar de alguma coisa, me escreva, farei qualquer coisa para te ajudar.
         ___ Você não acha que já me ajudou bastante?
         ___ Um dia você vai me entender.
         Ele não tinha outra opção que não fosse a de deixá-la sozinha.
         Cega de dor, Laura caminhou até o Arpoador, sentou-se na pedra mais alta que ali havia e chorou. Chorou por si, por Carlos, pela paixão, pelo sonho de se casar e ter filhos com ele.
         O sol já estava se pondo quando finalmente ela se levantou. Laura não sabia para onde ir, não queria que a família a visse naquele estado. Pegou o telefone celular na bolsa e ligou para Sônia.
         ___ Oi Laura, tudo bem minha querida?
         ___ Amiga. __ Laura rompeu em prantos, com voz entrecortada narrou os fatos e o término.
         ___ Laura, fique aí. Eu vou te buscar.
         O que viu, deixou Sônia sem fala. Laura estava com os olhos inchados de tanto chorar, os cabelos completamente desalinhados e o olhar parado, sem vida.
         ___ Meu Deus, Laura, venha, vamos para a minha casa.
         Laura só repetia o quanto era infeliz e o quanto amava Carlos.
         Chegando a casa de Sônia, mais uma vez deu vazão ao seu sofrimento. Contou e recontou a história do término, no que foi pacientemente ouvida, quando iniciaria a narrativa pela quarta vez, Sônia pediu um minuto para falar-lhe.
         ___ Laura, eu entendo o que está passando, sei muito bem o que é se sentir abandonada, achar o mundo acabou, mas você vai ter que se conformar de que tudo continuará, as pessoas continuarão indo e vindo, seu trabalho vai continuar existindo, e, amiga, você continuará vivendo. O Carlos pode ter errado, mas muitas vezes ele deixou claro para você que não estava mais a fim e você forçou a barra, inclusive na última vez que vocês estiveram juntos.
         ___ Hoje eu não acho que você tem razão, mas um dia quem sabe. Obrigada, Sônia, você é maravilhosa.
         ___ Passe a noite aqui, amanhã, se não estiver se sentindo bem, não vá trabalhar.
         Laura aproveitou o conselho da amiga. À noite, não conseguiu dormir, passava e repassava a conversa com Carlos, pensando em que poderia ter errado. Deveria ter sido menos orgulhosa e ter implorado para ficar com ele.
         Na manhã seguinte, Laura não foi trabalhar, ligou para a empresa e disse que estava passando mal. A conselho de Sônia, Laura decidiu consultar um médico, amigo da família, e disse que estava se sentindo fatigada, que gostaria de tirar uma licença da empresa. O médico deu-lhe um atestado de quatorze dias.
         Laura resolveu viajar, disse à família o mesmo que falou para o médico, que estava fatigada e precisava de descanso.
         Despediu-se de todos e foi para o interior do estado, uns dias respirando o ar da Serra lhe faria muito bem.
         A pousada estava quase vazia, afinal era período de baixa temporada.
         Ela tentou ser forte, mas não aguentou, as lágrimas vinham e teimavam em rolar. Ao final da primeira semana já conseguia se controlar, passeou bastante e fez algumas amizades. A dona da pousada observou-a e percebeu que ela carregava na alma uma grande dor.
         ___ Não há mal que dure para sempre.__ disse Cândida.
         ___ Como disse?__ perguntou Laura.
         ___ Eu só disse que não há mal que dure para sempre. Sabe, Laura, eu tenho te visto aí, sempre com um rosto triste. Você tem olhos lindos, dá para perceber que você está com algum problema.
         ___Está tão evidente assim?
         ___ Só para velhas fuxiqueiras como eu.
         Laura não teve como não rir. Olhou para a dona da pousada que nem era tão senhora assim e resolveu contar-lhe sua história.
         ___ Primeiro venha tomar um vinho comigo. Aí você pode me contar tudo.
         Laura achou que choraria ao narrar seu caso com Carlos, mas não chorou.
         ___ Você está se culpando do quê? Fez o seu melhor, deu o seu melhor. Laura, ele não é tão ruim como você está pensando, poderia ter continuado com você, poderia ter outras mulheres, mas não foi isso que ele fez. Acha que foi fácil para ele, um homem dez anos mais velho que você, um homem que já não é nem um garotinho, abrir mão de uma moça jovem e inteligente como você. Com certeza não foi fácil. Ele já foi casado por duas vezes, então já tem experiência, talvez já tenha passado por isso antes. Olha, talvez ele não queira se casar novamente, e isso é tudo o que você quer. Ele foi muito honesto com você, ele te deixou livre para a vida.
         Laura queria sair correndo dali, mas sabia que ela estava falando algo muito verossímil, sabia que não poderia continuar assim, se martirizando, era preciso sobreviver.
         ___ Já foi ao Beleza da Serra?__ perguntou Cândida.
         ___ Não, onde é?
         ___ Numa ruazinha ao lado da padaria, é um bar delicioso, tem música ao vivo hoje, você vai gostar.
         ___ Não sei, pode ser.
         Ela irá, eu sei. Pensou Cândida, sonhadora.
         Não tenho nada mesmo para fazer, vou me arrumar um pouco e vou, pode ser divertido. Pensou Laura.
         ___ A que horas começa o show?
         ___ Às 19 horas.
         ___ Até que não é muito tarde, vou pensar.
         Laura chegou um pouco antes do horário, ficou surpresa em como o lugar era gostosa, a iluminação difusa fazia o restaurante parecer iluminado por velas, as mesas eram bem pequenas, excelentes para casais. Ela escolheu uma à esquerda do palco e pediu uma taça de vinho.
         Pontualmente, as luzes se apagaram e um jovem subiu no palco, cantou deliciosas baladas românticas.
         Não sei o que eu vim fazer aqui, deveria ter ficado no meu quarto, se esse garoto continuar cantando vou ter um treco.
         Indecisa, resolveu ficar.
          No intervalo, Laura observava a decoração, quando foi surpreendida por uma voz masculina ao seu lado.
         ___ Gostando do show?
         ___ Oi, sim, sua seleção musical é bem romântica.
         ___ Eu procuro, no primeiro momento da apresentação, cantar essas músicas, depois eu mudo. Prazer, meu nome é Diogo.
         ___ Meu nome é Laura.
         Diogo, visto assim de perto, já não parecia tão jovem.
         ___ Sozinha?
         ___ É, tirando uns dias para mim.
         ___ Fique até o final...
         ___ Ta bom.
         Como Diogo dissera, as músicas mudaram, o repertório dele era fantástico, Laura já nem se lembrava de que queria ir embora.
         ___ Pronto, missão cumprida.
         ___ Diogo, como você canta bem!
         ___ Obrigado, você é muito simpática, e bonita também.
         ___ Obrigada, mas, não me leve a mal, estou só de passagem, não estou procurando nada. Entende?
         ___ O que eu sei é que alguém chegou antes de mim e deixou fechado esse coração, mas tudo bem. Tomara que você se cure logo.
         A conversa não se perdeu, Diogo não insistiu, mas mostrou ser extremamente inteligente e encantador.
         ___ Nossa, como a hora passou rápido, tenho que voltar para a pousada.
         ___ Eu te acompanho.
         ___ Não precisa, Diogo, estou de carro, a Pousada das Rosas é bem pertinho daqui.
         ___ Se você não tiver mais nada a fazer, posso ser seu guia pela cidade. Tenho certeza que não conhece os lugares que vou te mostrar.
         ___ Obrigada, eu aceito. Que tal às 11 horas lá na pracinha?
         ___ Estarei lá.
         Diogo acompanhou-a até o carro. Laura percebeu que a dor continuava, mas não de maneira tão latente.
         No dia seguinte, Laura e Diogo foram a uma igrejinha abandonada. A construção era bem pequena e antiga. Encantada, Laura tirou várias fotos. Depois seguiram para um pequeno parque, em que devoraram os sanduíches que Laura havia levado.
         ___ E você, Diogo, mora aqui?
         ___ Sim, sou minhoca da terra. Gosto de morar aqui e de cantar.
         ___ Mas, sinceramente, o retorno é pequeno. Desculpa, não quero parecer intrometida, mas... o cachê de cantor não é lá essas coisas.
         ___ Você está coberta de razão, mas eu não vivo só disso.
         ___ Ah, que bom.
         ___ O restaurante é meu. Era um sonho antigo do meu pai, então, juntos o construímos. Meu pai faleceu há um tempo, eu continuei tocando o restaurante.
         ___ Você é um empreendedor. Parabéns!
         ___ Obrigada. E você é uma sobrevivente.
         Ouvindo aquelas palavras, Laura não teve como não pensar em Carlos, em como ele a olhara quando ela contara sobre a infância pobre no morro, como a vida dela e da família mudara quando ela passara no vestibular e se formara. O trabalho na empresa fora mais do que comemorado. Ainda levavam uma vida simples, mas um pouco mais digna.
         ___ Eu sei que você tem alguma história aí dentro que não quer contar, mas não fique triste, você já está começando a superar. __ Diogo aparentava ter muito mais perspicácia do que ela fora capaz de julgar.
         ___ Você tem razão, mas... o que temos ainda para o dia de hoje?
         ___ Hum, muitas coisas, mas será surpresa.
         Laura, que só  conhecia cavalos por foto, ficou impressionada com a força do animal.
         ___ Você não acha que eu vou subir nessa coisa, acha? __ disse Laura, desconfiada.
         ___ Acho. A Lady é muito mansa. O Corisco também. Eu te ajudo.
         A princípio, Diogo ficou segurando as rédeas da égua, a fim de que Laura não se sentisse amedrontada. O trote do animal era leve, manso, acostumado estava a levar pessoas.
         Como pode essa égua ser tão altiva, tendo de carregar tantos fardos nas costas? Acho que nós, os seres humanos, levamos a sério demais as nossas dores, nossas emoções. Os animais são diferentes de nós, são muito mais fortes em vários sentidos.
         Diogo foi o perfeito anfitrião durante o período em que Laura esteve na cidade. Jamais perguntou o motivo de sua viajem, nem ela o mencionou.
         Laura encerrou sua conta na pousada, se despediu carinhosamente de Cândida, que não deixou de perceber a mudança que se operara no semblante da moça.
         Diogo apareceu na pousada para se despedir dela.
         ___ Antes de você ir, Laura, quero te dar uma coisa.
         ___ Hum, obrigada. O que é?
         Diogo não respondeu, apenas se aproximou e beijou-a ternamente.
         ___ Não fala nada. Refaça a sua vida.
         Muitas vezes achamos que a vida está acabada. Pensamos isso porque é mais prático, é muito melhor sentir pena de si mesmo do que se permitir viver. O Diogo tem razão, eu preciso me reconstruir, mas não sei como.
         Laura não deixou de ligar para Sônia e contar todas as novidades da viagem, sem omitir nada, nem Diogo, nem o beijo que recebeu. Sônia disse que ele tinha razão em tudo o que disse a ela, uma hora ela teria que se permitir sair da casca, voltar à vida.
         O retorno ao trabalho foi tranquilo, todos se mostraram compreensivos com ela, pois sabiam que era extremamente competente.
         Os amigos a chamavam para sair, mas Laura não se sentia com forças para isso, achava que seria uma péssima companhia, queria dedicar-se apenas ao trabalho.
         Numa sexta-feira, chegara cansadíssima em casa, durante sua ausência, boa parte do trabalho se acumulara. Dona Marta, disse que Sônia ligara e aguardava retorno.
         O que será agora? , pensou Laura.
         Sônia atendeu logo no segundo toque, parecia estar em um lugar com muito barulho. Laura perguntou do que se tratava e ficou muito sem jeito quando a amiga lhe disse que estava aniversariando naquele dia.
         Disse que iria imediatamente ao encontro da amiga, no barzinho em que ela estava comemorando com vários amigos.
         ___ Sônia, parabéns minha amiga! Perdão, acabei não comprando nada para você. Com toda essa correria no trabalho, e enfim... as coisas acabaram se atrapalhando na minha mente.
         ____ Não se preocupe, o pessoal você já conhece, com exceção do Soriano.
         Apresentações feitas, Sônia foi dar atenção aos convidados que haviam acabado de chegar.
         ___ Ainda bem que não cheguei tão atrasada! Existem outros retardatários além de mim.
         Soriano sorriu.
         Nossa, que boca ele tem. Ela pede um beijo.
         Soriano contou-lhe que era professor de Filosofia, lecionava em duas universidades. Laura ficou encantada, achava o magistério uma profissão difícil, pelos mais diversos motivos, mas acima de tudo achava que era uma profissão de apaixonados, apaixonados por lecionar. Disse isso a ele.
         ___ Acho que você tem razão, lecionar realmente não é fácil. Muitos estão desistindo da profissão por conta do salário, baixíssimo, a meu ver,  da clientela, alunos no Estado ou do Município não são flores. Essa é uma definição que nunca me ocorrera.
         Sônia observava os dois de longe. Laura estava diferente, ainda carregava o rosto um pouco triste, mas essa tristeza estava quase desaparecendo, em breve viraria apenas uma sombra.
         ___ Ei, vocês vão ficar só na conversa, não vão beber nada, peçam algo. __ disse Helem, uma das convidadas.
         ___ É verdade, conversar com você está tão bom que isso não me ocorreu. __ disse Laura.
         ___ Vamos corrigir isso agora. O que quer beber? Peço lá no bar.
         ___ Eu vou querer um martini seco. Não, acho que vou te acompanhar na cerveja mesmo.
         ___ Vou pegar.
         Soriano e Laura embarcaram em uma conversa sobre os males da alma e sobre como as pessoas não dão atenção aos pequenos sinais de que o corpo já não está tão bem. Muitas doenças aparentemente simples são consequências de problemas psíquicos. Ela pensou então em como estava reagindo bem ao problema enfrentado.
Soriano era um homem vivido, ao vê-la percebeu logo qual o problema dela: desilusão amorosa.
Está aí uma mulher que não se conhece, não sabe absurdamente nada de si mesma, tem uma baixa estima, problemas com a própria imagem, conflitos internos sérios. Se eu disser que é linda não vai acreditar, o que é uma pena.
         A madrugada já ia avançada quando Laura se despediu da amiga. Soriano perguntou se ela estava de carro, ela respondeu que não, porque sabia que acabaria bebendo algo e não era bom dirigir assim. Ele disse que estava na mesma situação, mas que a casa dele era caminho da dela, pegariam um táxi, ele a deixaria em casa.
         Será que ele vai me ligar? Adoraria conversar mais com ele.
         No dia seguinte ele ligou, perguntou se ela gostaria de encontrar com ele, para conversarem um pouco mais. Ela não teve dúvidas, aceitou o convite.
         Conversar com ele era uma aventura, olhar para ele era um risco iminente.
         Que loucura! Quero me perder nessa boca, me acabar nesse corpo.__ pensou ela.
         Ainda não é hora de me aproximar muito, ela está interessada, mas não o suficiente.__ pensou ele.
         O vinho era delicioso e já mostrava seus efeitos em ambos. O beijo não demorou a acontecer. Como um incêndio devastador, o corpo de Laura respondeu. Como dois adolescentes eles se beijaram a noite toda. Soriano percebeu a hesitação dela em ir para outro lugar, não ligou muito para isso, teria tempo.
         Falaram-se no dia seguinte e durante a semana, muito atencioso ele sempre perguntava sobre como ela estava, como ia a família. Curiosamente, ele pouco falava sobre si, disse apenas que era solteiro e sem filhos, algo confirmado por Sônia.
         Ansiosa pela chegada da sexta-feira, dia em que o veria, Laura preparou-se para o grande encontro.
         Soriano escolheu o mesmo bar da semana anterior. Inteligente, sabia que ela se sentiria mais confortável em um lugar já conhecido. Dessa vez não houve hesitação por parte dela, e, no final da noite, partiram para um motel próximo dali. Articulado, Soriano ligou o som e perguntou se ela não gostaria de tomar mais uma bebida, só para relaxar um pouco.
         Laura já sentia os efeitos do álcool em seu organismo, estava mais a vontade. Ele se aproximou, tirou o copo de sua mão gentilmente e a beijou. Não parecia muito preocupado em tirar-lhe a roupa, parecia mais atento as nuances do seu rosto. Laura nunca havia sido tratada daquela maneira, queria avançar, tirar a roupa dele, mostrar o quanto ela era sábia na cama.
         ___ Não, Laura.
         ___ Não o quê?
         ___ Querida, eu tenho a noite inteira para te amar, se a noite não for suficiente, temos a manhã. Quero te conhecer melhor, quero saber em que pontos do seu corpo que eu tocar você vai responder com mais intensidade. Laura, você está acostumada a amar, e não a ser amada. Permita que eu faça isso.
         Encantada, ela o olhou com um misto de admiração e curiosidade.
         Soriano a despiu com firmeza, seguro do que estava fazendo. Beijou cada centímetro daquela pele perfumada, sugou seu sexo com voracidade, como se quisesse literalmente que toda ela estivesse dentro dele. O orgasmo de Laura não demorou a chegar, veio forte, sacudiu-lhe todo o corpo.
         Ela fez questão de beijá-lo, queria mostrar a ele que também gostava do seu sabor.
         Entre pequenos beijos, ele fazia as perguntas mais estranhas de que ela se lembrava de ter ouvido, perguntou-lhe sobre sua infância, seu primeiro namorado, sua primeira relação sexual, até que finalmente chegou a um ponto que ele chamou de nevrálgico.
         ___ Como terminou sua última relação, Laura?
         ___ Eu prefiro não falar sobre isso.
         Hum, a ferida ainda está aberta nela.__ pensou.
         Languidamente, Soriano convidou-a para tomar uma ducha. Embaixo do chuveiro, com o membro endurecido, ele possuiu-a. O clímax chegou para ambos quase ao mesmo tempo. Ele segurou-a antes que as pernas dela enfraquecessem de todo e ela caísse no chão.
         Nossa, incrível... incrível. __pensou Laura.
         Deliciosa. __ pensou Soriano.
         Exaustos, deitaram na cama e dormiram.
         Pela manhã ele a acordou com delicadas mordidas.
         ___ Bom dia. __ disse ele.
         ___ Bom dia. __ respondeu.
         Laura viu no celular que já eram dez da manhã.
         ___ Nossa, como eu dormi. Você deveria ter me acordado antes. __ disse ela.
         ___ E perder esse rostinho descansado e feliz como está o seu, jamais.
         Deliciada, Laura não sabia o que dizer. Só sabia que se sentia alegre.
         Despediram-se com muitos beijos na porta da casa dela. Laura ligou para Sônia e convidou-a para almoçar.
         ___ Amiga, que noite foi aquela!
         Como é bom vê-la assim, linda, animada. Graças a Deus nem se parece aquela figura que eu fui buscar na praia.
         ___ Laura, eu estou contente por você, mas amiga, cuidado dessa vez, não vai se jogar de cabeça.
         ___ Você tem razão, Sônia. Vou procurar tomar cuidado. Ele é maravilhoso, mas me parece um pouco misterioso. Alguma coisa nele meio que me dá essa impressão.
         Delicado, ele continuou telefonando quase que diariamente. Marcaram outro encontro. Laura estava usando um belo lingerie.
         Dessa vez ele inovou, não parecia mais tão paciente, foi voraz.
         Ela precisa entender as nuances do amor, do desejo. Está tão acostumada a servir que não sabe se servir do que lhe é dado. Fogo e gelo é disso que ela precisa.
         Laura começou a entender o que ele tinha em mente. Começou a se perceber, viu que receber prazer dá prazer ao outro, que o parceiro não quer só ser servido, que ele quer servir. De repente, como em um passe de mágica, ela apreciou seus próprios movimentos, ora lentos e suaves, ora rápidos e agressivos. A grande beleza da relação consistia em dar e receber, como um tique taque do relógio, dar e receber, subir e descer, avançar e recuar, esquerda e direita, tique taque.
         Essas descobertas eram incrivelmente novas para ela e ele tinha consciência disso, mas não poderia deixar de apreciar a evolução dela, a mulher insegura que ele conhecera estava se tornando uma mulher de verdade.
         Preciso penetrar um pouco mais na armadura dela.
         Com cuidado, perguntou sobre o último namorado da moça. Sem amarras ela contou tudo.
         Quanta parcialidade, ela não consegue ver que as plantas precisam de luz para crescer, ela mesma evoluiu.
         ___ Querida, você acha mesmo que ele é errado nisso tudo?
         ___ Claro que é, eu sempre fui boa com ele, fui carinhosa, atenciosa... fui muito mais do que muitas por aí.
         ___ Mesmo você sendo muito melhor do que elas, ele preferiu ficar sozinho.
         ___ Nossa, assim você me ofende!
         ___ Claro que não. Eu só quero te mostrar o quanto você foi insegura, o quanto você se escondeu por trás da pena que sente de si mesma. Laura, quando foi que você viajou sozinha desde que o conheceu?
         ___ Nenhuma.
         ___ Quando foi que você foi às festas em que ele não poderia ir sem se sentir culpada?
         ___ Nunca.
         ___ Quando foi que você viveu um pouco para você mesma? Querida, no seu afã de servir, você não soube ser servida, você se prendeu tanto a ele que não soube se dedicar a você.
         A princípio Laura ficou magoada. Como ele falava assim com ela depois de terem se amado daquele jeito? Que sujeito insensível!
         Ela está magoada, eu sei, mas vai acabar entendendo, darei o tempo que ela precisa para perceber a verdade em tudo o que eu lhe disse.
         ___ Soriano, quero ir para casa.
         ___ Sim, vamos embora.
         Ele achou prudente não ligar para ela nos dois dias seguintes, ela precisava pensar. Ao fim desse tempo ligou, marcaram de se ver.
         ___Oi, Soriano, você...
         ___ Shi, não fala nada. Deixa só eu te olhar. Linda, maravilhosa. Laura, você é incrível, acredite em mim.
         De novo não, porque ele está me dizendo isso?
         ___ Laura, hoje eu vejo como você está diferente, hoje você é outra mulher. Confie nisso.
         ___ Você não vai fazer o que eu estou pensando, vai?
         ___ Em que você está pensando?
         ___ Você vai me abandonar.
         ___ Te abandonar, não. Só me afastar um pouco. Laura, adorei te conhecer, por mim, continuaria ao seu lado, observando todas as maravilhosas mudanças da sua vida, mas eu sou um andarilho e recebi uma proposta incrível para trabalhar numa universidade fora do país, não posso recusar.
         ___ Eu não sei o que te dizer.
         ___ Diga: boa sorte.
         Um sorriso se insinuou nos lábios dela.
         ___ Boa sorte. __ falou finalmente.
         Dessa vez, Laura já não sentia aquela dor horrível no peito. Deixou que ele partisse, não sem antes dizer a ele o quanto ele fora importante na reconstrução dela.
         Como há meses atrás, Laura ligou para Sônia.
         ___ Oi amiga, posso ir à sua casa?
         ___ Laura, você sempre será bem vinda aqui.
         Pelo que Laura pôde apurar, Sônia já sabia da partida de Soriano, ele contara a ela na noite anterior.
         ___ Não se preocupe, não estou chateada por você não ter me contado. __ disse Laura.
         ___ Ele me pediu para não contar.
         ___ Tudo bem.
         Acho que nem a Laura sabe como está mais forte.
         ___ Trabalhar, é isso, vou trabalhar e bola para frente.
         ___ É assim que se fala amiga.
         Laura teve de viajar para São Paulo a fim de acompanhar a instalação da filial da empresa ali. No saguão do hotel, viu-se frente a frente com Carlos. Ele se apressou em cumprimentá-la.
         ___ Oi. __ disse ele.
         ___ Oi. __ ela respondeu.
         ___ Fazendo o quê por aqui? __ Carlos perguntou.
         Laura explicou sua missão.
         ___ Tem tempo? __ perguntou ele __ Podemos almoçar?
         Ai, e agora, o que eu faço?
         ___ Vamos.
         ___ Laura, foi muito bom ter te encontrado. Muitas vezes pensei em te ligar, mas, sabe como é, não sabia como você iria reagir.
         ___ Tudo bem, Carlos, nem sempre temos resposta para todas as nossas angústias.
         Linda, linda, linda. Ela está incrível.
         ___ Laura, eu preciso te explicar o que aconteceu, porque eu me separei de você.
         ___ Sempre me fiz essa pergunta.
         ___ Sabe, quando eu me apaixonei por você, me apaixonei por uma mulher segura, fascinante, mas você se transformou, acabei... acabei me sentindo sufocado, eu não sabia mais o que fazer. Você era tão perfeita, tão carinhosa, tão atenciosa, não havia nada que você não fizesse por mim. Laura, eu fiquei sem ter pelo que lutar... eu não tinha o que conquistar em você. Acabei ficando confuso. Precisei me afastar de você para, para me entender. Foi dificílimo aquele término. Seus olhos, seus olhos não saíam da minha cabeça, você estava tão triste. Você pode não acreditar, mas fiquei arrasado.
         ___ Carlos, eu acredito.
         ___ Não sei se eu ainda tenho tempo, mas... eu preciso te dizer que eu.... eu preciso te dizer que te amo.
         Ela, que havia esperado tanto tempo para ouvir aquilo, não teve reação. Olhando para ele ali, parado, em sua frente, compreendia tudo o que Soriano e até meso ele queria dizer, ela errara, mergulhara fundo demais na vida de Carlos, que acabou esquecendo a própria vida, mas agora era tarde demais para eles.
         Calmamente, Laura relatou a ele sua peregrinação em busca de si mesma e ali, sentada diante do homem que acreditava amar, descobriu que jamais poderia ficar com ele novamente. Procurou uma maneira simples e franca de falar isso.
         Carlos era um homem de fibra e soube entender, ele não havia perdido, apenas escolhera um caminho diferente e não poderia retomar o anterior do ponto onde o havia deixado.
         Laura vislumbrou o caminho que deveria seguir assim que voltasse para casa, o da Rio-Petrópolis.