domingo, 16 de junho de 2013

Conto: Breve Eclipse

“Puta que pariu! Não aguento mais essa vida! Ah, pena que não posso dizer isso bem alto.” _ pensou Celeste.
         Nossa protagonista é uma mulher casada, beirando a meia idade, mas que ainda conservava algo da beleza e do frescor da juventude.
         Ela pensou isso olhando o maridão, Valdir, deitado no sofá.
         Imersa em seus devaneios, ela procura o homem que conheceu há quinze anos. Nada.
         Não se pode dizer que Valdir não seja um bom marido. Trabalhador, com um salário razoável, bom pai, enfim... aparentemente um companheiro clássico, comum.
         O apartamento novo é maior do que o anterior, portanto exige mais mobília, mais modernidade. Valdir foi logo dizendo um sonoro: NÃO.
         ___ Temos que economizar. O condomínio daqui é caro, não podemos ficar gastando.
         A esposa, irritada, não vê saída na sua situação, o jeito é tentar arrumar tudo da melhor maneira possível. A única coisa que a consolou um pouco, foi não ter de cuidar das crianças, eles haviam ido passar as férias na casa da sogra, portanto, ela teria um tempo para colocar a casa em ordem.
         ___ Valdir.
         Silêncio.
         ___ Valdir.
         Novamente, o mesmo silêncio.
         ___ Ora, o traste nem se dá ao trabalho de responder.
         Ao chegar à sala, viu que ele estava dormindo. Achou melhor não acordá-lo, afinal só queria falar que iria à padaria.
         Na portaria, estava um porteiro que ela não conhecia. Algo perfeitamente aceitável, afinal, se mudara há pouco.
         ___ Boa tarde, madame. __ disse ele.
         ___ Boa tarde. __ respondeu.
         Celeste ficou parada diante do rapaz, sem saber o que dizer.
         ___ Posso ajudá-la, madame.
         Que voz é essa?! E que rosto de homem: másculo, forte; pensou Celeste.
         Surpresa por ser pega em flagrante olhando o rapaz ela respondeu:
         ___ Oi, meu nome é Celeste, moro no 502, eu e meu marido nos mudamos na semana passada. Ainda estou conhecendo os funcionários do prédio.
         ___ Ah, entendi. Eu me chamo Pedro. Se precisar, é só interfonar.
         ___ Ótimo, qualquer problema eu chamo.
         Um rapaz lindo desse trabalhando de porteiro... imagine! Deveria estar na faculdade, estudando engenharia, ou algo assim. Olhos lindos, e que pele, que ...
         Já na padaria pediu o que queria e voltou correndo. Cheia de expectativa, queria trocar mais umas palavras com ele.
         Surpresa, deu de cara com outro porteiro. “Deve ter terminado o turno dele, mas amanhã certamente estará de volta.”
         No dia seguinte, acordou antes do marido, tomou uma ducha e desceu, com os cabelos ainda molhados. Já com um sorriso no canto dos lábios, passou pela portaria, mas não era Pedro quem estava lá. Não contendo mais sua curiosidade, se apresentou e perguntou pelo rapaz.
         ___ Dona, nós aqui trabalha um dia e folga um.
         Então, amanhã o verei de novo, pensou.
         Como se fosse um ritual, repetiu as mesmas ações do dia anterior, com a diferença de que o vestido dessa vez era mais sensual, realçava as curvas que as duas gestações não alteraram de todo.
         ___ Bom dia, madame.
         Ele me olha de um jeito enlouquecedor. As mãos são tão fortes, no mínimo deve ser muito seguro no que faz.
         ___ Bom dia, Pedro.
         O jeito é ir embora, não tenho mais o que falar com ele.
         A padaria estava vazia, voltou logo para casa. ela teria do dia todo só para si, Valdir já fora trabalhar. Tomou demoradamente o seu café, pensando em como era bom ter um pouco de paz e silêncio.
         Languidamente, colocou uma música suave e continuou a arrumação da casa. Por pouco não ouviu o interfone tocando. Era Pedro, dizendo que havia uma encomenda na portaria. Ela pediu-lhe que subisse.
         O bom rapaz nem se dava conta de como a mulher o observava. Ela o despe pacientemente com os olhos, por baixo da camisa branca de malha, ela aprecia os músculos bem definidos.
         ___ Você aceita um café? Está fresquinho, acabei de passar.
         ___ Aceito, obrigado.
         A cozinha não era pequena, mas ainda estava um pouco atravancada com algumas caixas, de modo que, sem querer ele esbarrou nela. Imediatamente, o corpo de Celeste respondeu, o ar se tornou pesado, sensual, inebriante.
         ___ Desculpe, madame, foi sem querer.
         ___ Imagina, não precisa se desculpar. Eu já deveria ter arrumado essa cozinha, mas sabe como é, meu marido não é muito participativo, acabei me atrapalhando.
         O clima acabou, Pedro terminou o seu café e disse que teria de voltar.
         Ainda em meio as lembranças daquela manhã, ela aumentou o som e resolveu terminar de vez com aquela bagunça.
         No final da tarde, Valdir chegou, encontrou a esposa limpa e cheirosa, o apartamento arrumado e o jantar com um cheirinho ótimo.
         ___ O que temos para o jantar hoje, querida?
         ___ O seu prato favorito, salmão assado com molho de alho poró.
         ___ É dia de festa?
         ___ Desde quando precisa ser festa para fazer esse tipo de comida? Definitivamente, você não sabe apreciar as coisas.
         O marido, que já sabia onde aquele tipo de discussão poderia chegar, preferiu não falar mais nada, partiu para o banho.
         Os dias foram transcorrendo sem pressa, manhosos. Celeste se deliciava com as pequenas conversas que tinha com Pedro. Descobriu que ele realmente era estudante universitário, estudante de arquitetura, que trabalhava como porteiro para complementar a renda.
         Nos dias em que o rapaz estava de serviço, ela o convidava para subir e tomar um café.
         À noite, quando o marido chegava, encontrava os mais deliciosos jantares, a esposa estava afável e aberta para o amor.
         Sem que percebessem, novos prazeres foram descobertos. O trivial não servia mais para eles, os corpos no frenesi da paixão ansiavam por mais, as bocas eram mais ansiosas, quentes... Palavras há muito esquecidas, eram ditas sem pudor. O espaço do quarto se tornou pequeno, passaram a se amar no corredor, na sala e na cozinha.   
Exaustos, tomavam banho juntos e começavam tudo de novo.
         O jantar já não era silencioso, tornou-se animado e descontraído.
         Valdir chegava a casa sempre com um mimo para a esposa, a princípio deu-lhe os seus bombons favoritos, depois foram flores e por fim um convite para um jantar romântico.
         Celeste, por sua vez, acreditava que tudo aquilo só estava acontecendo por causa de Pedro, ela o imaginava em todos aqueles tórridos momentos que passava com o marido. Não precisava sequer fechar os olhos para evocar a imagem do jovem.
         Em uma manhã particularmente feliz, ela, como fazia todos os dias, desceu para ir à padaria. Encontrou Pedro todo sorridente. Acreditando que aquela felicidade toda se devia ao seu vestido novo e ao trato que dera no visual, deu o seu melhor bom dia.
         ___ Madame, hoje é o meu último dia aqui no prédio.
         Como uma flor que murcha embaixo do sol escaldante, Celeste foi perdendo o sorriso.
         ___ Que pena, Pedro, imaginei que ficaria por mais tempo.
         ___ Encontrei um estágio remunerado, vou ganhar um pouco menos, mas acho que será o melhor para mim.
         ___ Ah, sim, claro.
         ___ Além do mais, Paula também trabalha lá, não me sentirei tão perdido.
         ___ Paula?
         ___ É a minha namorada, ela está um período a frente do meu na faculdade.
         Sem perder a compostura, parabenizou-o.
         Ela saiu e voltou completamente desanimada, não fez o jantar. O dia, que antes começara bem, parece sombrio, triste. Sem ânimo, acabou não fazendo o jantar, não parava de pensar na situação que ela mesma criara em sua cabeça.
         Valdir chegou a casa com um presente, uma bela lingerie feita da mais pura renda, uma verdadeira obra de arte. Carinhoso, não se esqueceu de comprar um vestido para a esposa, algo fácil de tirar.
         Mesmo de baixo astral, ela não pôde deixar de perceber como o gesto era diferente, principalmente vindo do marido, que ela julgava distante e disperso.
          Celeste caprichou na toalhete. “Ainda bem que fui ao cabeleireiro e cortei o cabelo.”, pensou, Isso sem falar nas roupas de baixo, que pareciam ter sido feitas sob medida para ela.
         “Hum, que delícia, ele conhece o meu corpo.”
         Valdir ficou sem fala quando a viu.
         ___ Você continua linda.
         ___ Olha que eu acredito, heim!
         Já no restaurante, a mesa reservada era em um canto discreto, com iluminação especial.
         ___ Nós nunca viemos aqui.
         ___ Verdade... ouvi falar sobre esse lugar há algum tempo. Planejava trazê-la aqui no dia do nosso aniversário de casamento.
         Celeste o fitou como se não compreendesse o significado daquelas palavras. Quem era aquele homem sofisticado, que lhe dava presentes, que fazia surpresas? Será que ela não conhecia o próprio marido?    
         A partir daí, a conversa fluiu em outro tom, mais íntimo, confidencial.
         Passado o jantar, Valdir não seguiu para casa, foram a um maravilhoso motel.
         “Há quanto tempo não vamos a um motel?” __ pensou Celeste.
         Com o vinho já agindo em seu cérebro, ela tornou-se uma mulher fantástica, cheia de energia, sensualidade e desejo.
Valdir mostrou-se a altura. Surpreendeu-a mais ainda dando-lhe um prazer que ela nunca pensou que pudesse sentir.
         No momento do êxtase, Celeste compreendeu que não fora imaginação sua, as noites que passara, as sensações que sentira, não foram provocadas porque imaginava ser Pedro que estivesse com ela, até porque um fantasma não poderia fazer tudo aquilo. O marido, esse sim, era o responsável por tudo.
         “Ah, como pude ser tão tola? - pensou - “Poderia ter perdido o meu marido, eu que me afastei dele, que o rejeitei durante noites a fio.”
         Após o amor, algumas palavras foram ditas em meio às lágrimas de felicidade:

         ___Eu te amo. – disseram.

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