quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Fantasma



Hoje, no final de minha vida
Uma fina neblina me cobre
Talvez seja o bafo frio da morte
Ou até mesmo a baixa temperatura
De uma estranha noite de primavera
Seja por nostalgia ou por necessidade
Evoquei você, meu fantasma favorito
Nunca pude te dizer
...
Vi você em todos os lugares por onde andei
Sempre a espreita, sempre esperando
Esperando meu corpo se esvaziar
Para você novamente me preencher
Vi você em todos os corpos que eu amei
Percorri vales e montanhas
Tive todas as sensações de uma vida inventada
Dei o que esperava receber
Acabei com todos os sentidos
Usei-os todos
Sublimei
E, você, meu amigo
Como um bom voyeur
Observando tudo o que se passava
Consertando os meus erros
Permitindo que eu me recriasse
Sem medos, sem amarras
Hoje, você partiu
Hoje, não sou a mesma
Não sofro dos mesmos anseios
Não tenho as mesmas sensações
Mas vivo com o seu gosto no meu pensamento
Morrerei assim
Como folha de primavera
Como mulher, sereia, encanto
Como alguém que jamais se permitiu não viver
Vivi...

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Diário de um poeta deprimido


           Ônibus é muito interessante! Geralmente paramos e ficamos olhando pessoas que nem conhecemos. Nos pegamos imaginando como será a vida delas, quem são elas... Isso parece muito poético. Na verdade não deveria ser. São pessoas comuns, com problemas comuns e dúvidas banais.
         Na descida do coletivo, um pensamento me surpreende: deveria me inspirar e escrever sobre isso, essa coisa de rostos desconhecidos, com histórias por detrás dá poesia. Toda a felicidade dá poesia! A pobreza dá poesia! É tão lindo ver aquele rostinho do garoto pobre da favela nos encarando de maneira tão intensa!!! Ah, que lindo!!! Como ele pode ser tão pobre e ainda assim sorrir daquela maneira? Lá vem nossos poetas convencionais escrever sobre isso. Não venderia nadinha se escrevessem que eles sorriem como ignorantes que são.
         Isso seria socialmente incorreto, talvez um ou outro encarassem com um pouco de seriedade um texto como esse, mas seria difícil. Cantar a pobreza, claro, não posso esquecer, junto com a nobreza de ser pobre é muito mais fácil, digno de lágrimas. Simplesmente tal resignação é comovente.
Comovente é ver a bestialidade das pessoas que fecham os olhos para a realidade e se deixam levar por palavrinhas bonitinhas. Não há como ficar impassível diante da necessidade que as pessoas têm de ser enganadas!!!!
As mulheres, elas se matam para ter o corpo perfeito e aceitam normalmente que passe uma gostosona malhada do lado do homem delas e que ele olhe (desde que seja discretamente, claro), afinal, elas são lindas, não há como competir. E quem disse que é necessário competir? Vai escrever sobre isso e no mínimo vão chama-la de mal amada. Isso para não ser cruel. Onde está a beleza mesmo? Onde está aquele amante que idolatra as mulheres de uma maneira geral? Deve estar perdido em meio as futilidades que a sociedade pseudo-intelectual criou.
Em breve esse surto de realidade irá passar, novamente pegarei o ônibus e pensarei novamente naqueles rostos e suas histórias, novamente serei também um rosto em meio a multidão.
Vai passar, precisa passar, você, mesmo sendo poeta e sensível, precisa aderir ao sistema, vender sua arte para que ela seja vendável. Caso não o faça, jamais será bem visto, aceito. Vamos combinar, deixando a hipocrisia de lado, não somos uma ilha e não sabemos viver isolados. Precisamos do reconhecimento do outro, precisamos sobrepor nosso ego ao dos outros seres. No final do processo, precisamos ser politicamente corretos.
Afe!

segunda-feira, 30 de julho de 2012


Quereres
Quero não querer nada
Quero ficar no silêncio
Na solidão
Na crueza do escuro
Quero não sentir sua dor
Quero não ouvir seu lamento
Quero não ter que discordar de você
Não quero me mostrar para não te fazer me perder
Quero viver assim
O doce amargo do não e do sim
Quero querer ser
Mais do que fui
Menos do que posso realmente ser
Caso eu seja tudo isso
Ficarei muito grande
Não haverá espaço para nada mais
Além da estrutura do grão de areia
Em meio as dimensões do átomo

sábado, 14 de julho de 2012

Harmonização



Em uma taça, o despejo
Imediatamente o levo à boca
Não o bebo
Deixe que fique ali, encostado, me tocando
Abro milimetricamente meus lábios
Ele se insere em mim, me explora
Coloca cores na minha face
Pouso a taça na mesa
Vermelho, impetuoso, sedutor
Toco a haste fina
Mais um movimento e novamente ele está dentro de mim
Ardente, seco, volúvel
Permito que me explore
Calor, ele me aquece
Não posso fazer nada, estou indefesa
Não me ressinto das sensações
Elas são fortes, intensas, reais
Meu corpo é apenas uma marionete passiva
Não reaja, permita!
Sou servil
Abro a boca
Nenhum som ecoa pelas paredes brancas
Fecho-a novamente,  juntamente com meus olhos
Onde será que ele está?
Ainda me descobrindo
Mergulho
Encontro algo
“La petit de morte”

terça-feira, 3 de julho de 2012

Eclipse sem fim


Nas horas mortas do dia
Em que o único som existente
São as batidas do meu coração
Sinto medo, dor, saudade
Sem explicação, me sinto viva
VIVA
O sangue espesso e viscoso
Percorre áreas do meu corpo
Que eu sequer conheço
Como então saber quem eu sou?
Continuo observando
Sinto vibrações
A máquina continua funcionando...
Autômata
Sou controlada por ela
Sou feliz por isso
Pronuncio essa palavra aos pouquinhos
FELIZ
O som sibilante da última consoante
 Ecoa nos meus ouvidos
Parece estranhamente forte
Volto ao início de tudo
Como o momento da criação
O nada
Encontro o coração
Ele bate, reage aos mais diversos maus tratos
Digo a ele que se acalme
Vou parar de fazê-lo sofrer
SILÊNCIO
Ele está cansado... parou
Não me assusto
ACABOU