sábado, 5 de dezembro de 2020

365 dias

365 dias

Depois de assistir ao filme “365 dias”, confirmei o que já sabia:  que seria pura  perda de tempo.

Pior ainda é chamar o longa de filme, peço perdão ao pessoal da filmagem.

Para início de conversa, ops, os diálogos são quase inexistentes, aquilo não tem história, só uma tentativa descarada de imitar a produção americana “50 tons de cinza”, que não comentarei aqui a fim de não cansar você, caro leitor.

Um narcotraficante milionário, uma mulher que está abrindo seu caminho rumo ao sucesso, num mundo machista e cheio de preconceitos, que acaba sequestrada por esse marginal e, ainda por cima se apaixona por ele.

A fim de “pegar” leve com os poloneses vou começar com um questionamento simples: desde quando a Síndrome de Estocolmo é sexy e romântica?

Todos os dias, mulheres reais, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, são feitas reféns por seus parceiros, vivem em cárcere privado e sofrendo diversos tipos de violência, a saber (fonte consultada no final do texto):

Violência física:” Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.

O protagonista agride a mocinha fisicamente. Para aqueles que acham que apertar o pescoço e torcer o braço não é nada, acho melhor repensar isso.

Violência psicológica: “É considerada qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.

No filme, Massimo, o protagonista, ameaça Laura, a moça sequestrada, o tempo todo, promete sua liberdade depois de transcorridos os 365 dias, mata uma pessoa na presença dela, além de mantê-la sob vigilância constante.

Violência sexual: “Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.

Ele toca em seu corpo em várias cenas, sem o consentimento dela, inclusive em suas partes íntimas.

Violência moral: “É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Massimo reclama grosseiramente da maneira como a protagonista está vestida, além de deixar bem claro para os seus cúmplices e inimigos que Laura é a sua nova propriedade.

Se tudo isso ainda não o convenceu de que assistir esse filme é uma péssima ideia, vamos continuar.

O prazer não surge de um corpo sarado e curvas voluptuosas, ele é mais profundo que isso. Ele nasce de um olhar, de lábios molhados, sorrisos marotos, de um toque no lugar certo, do arquejo, da pressão na medida certa e do seu ápice, do gozo em si.

O que eu vi, foram lindas cenas de nudez, de um homem e uma mulher que configuram um arquétipo construído pela nossa sociedade decadente.

Todos nós podemos produzir e sentir prazer como aquele, basta querer, sozinhos ou acompanhados. Rsrsrsrsrsrsrs

 

Fonte consultada: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html, acesso em 05/12/2020

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Um brinde

     Já disseram que sou como uma corda tensa de um violão, fiquei lisonjeada, porque se a corda estivesse frouxa não sairia o som harmonioso que sai de um violão.

A tensão em que estou e que na verdade faz parte de mim, é derivada se uma série de acontecimentos que não devem ser explicados, até porque sozinhos levariam a lugar algum, ou a conclusões errôneas, como a que se tentou dar com a metáfora citada acima.

Na verdade ainda estou em construção...

Gosto dessa ideia, isso é sinal de que estou viva, porque se não estiver aberta para receber as influências do meio e do mundo estaria sendo afetada, pretensa e mais alguns adjetivos que não me ocorrem agora, ou talvez ocorram e eu não queira usar.

Enfim, já se questionaram sobre quem vocês são, ou para onde vão, ou qual o seu papel no mundo? Imagino que uma infinidade de vezes. Chegaram a alguma resposta? Mais uma vez recorro a minha imaginação fértil para responder: não.

Sabe por que não chegaram a uma resposta? Talvez porque seja um enigma para o final da vida e, não, para o decorrer dela.

Se já soubessem o que são, para onde vão ou o que devem fazer durante essa existência, teriam que admitir um certo determinismo, que não existe a possibilidade de se reinventar, ou simplesmente de deixar o barco correr, até porque ele não estaria a deriva, mas os levaria a um lugar certo.

Correndo o risco de fazer com que o meu raciocínio pareça ser circular, voltamos ao início: corda tensa de um instrumento musical. Ela não produzirá o mesmo som caso seja tocada em lugares e formas diferentes, assim como jamais poderíamos ter certezas e sairmos incólumes delas.

As incertezas são elementos de construção, dá-nos um poder de decisão, esquerda ou direita, reta ou curva, enquanto as certezas deixam tudo cartesiano demais, logo, maçante.

Jamais seremos maçantes, porque não temos verdades absolutas em nossas vidas, com exceção daquelas que a matemática comprovou.

Observação: caso tenha alguma verdade absoluta dentro de você, cuidado, guarde-a até que a comprove ou, o mais provável, que descubra estar errado.

E a vida, como fica?

Seguindo como um rio sereno, cheia de segredos os quais você não descobrirá, apenas se banhará nesse rio e ficará feliz em deixar a água secar no seu corpo, de sentir o frescor que ela lhe trará, imerso na vida ou com respingos dela ainda estamos sujeitos a mudanças e descobertas.

sábado, 29 de junho de 2019

Senti(mento)dos

De boca macia e pele sedosa
De carências e afagos
De verdades e mentiras
De medos e vergonhas
De desejos e arrependimentos
De possibilidades e realizações
Do desejado ao possível
De suspiros a arquejos
De tudo o que ainda não é
De sentir
De sentimento
De sentidos
Que ainda serão
Mas que já estão

Que continuem...

quinta-feira, 21 de março de 2019

Para você...

Ainda que nossas bocas não tenham se tocado,
que eu não saiba se ela é macia,
ou se suas mãos são quentes,
sei o que quero.
Sei que o quero!
Um beijo, um abraço,
um farfalhar suave dos lençóis,
movimentos descoordenados
de quem não conhece,
mas busca... anseia... suspira...
Respirações interrompidas,
corações acelerados, luzes coloridas,
corpos entrelaçados...
Transpirações que se fundem,
olhos que se fecham,
desejo que aumenta,

sonho...

quinta-feira, 14 de março de 2019

Eu

Quero tão pouco da vida
e as pessoas querem tanto de mim
que fico confusa.
Não sei se sou pequena
e não posso dar tudo o que tenho,
ou se sou enorme
e querem mais do que possuo.
Não entendo!
Se uma gota d'água no oceano
ou um passarinho,
se comparada a uma baleia.
Se sou o vento que refresca,
ou a tempestade que mata.
Essa incompreensão...
Ou será incapacidade?
Ou ainda, incompetência?
Ou egoísmo?
Seja lá o que for,
não sei o que sou,
ou o que já fui.
Ou ainda, o que serei.
Como rios que secaram
e só deixaram sulcos no chão, um dia já fui...
Não sei porque não quero descobrir,
se vou acrescentar
ou diminuir o pouco que restou,
das promessas que seriam.

domingo, 10 de março de 2019

Ventos de tempestade

                 Não tem nada para contar, porque não houve nada. __ O pensamento era quase um mantra.
                Perambulou um pouco pelas ruas sem se dar conta de sua aparência: os cabelos crespos e encaracolados estavam desarrumados, o batom já havia sumido e na blusa faltava um botão. 
Ainda meio vacilante, parou em um bar e pediu um café, sabia que era requentado, mas não se importava, queria apenas concentrar-se em algo diferente do que acabara de acontecer.
Não queria voltar para casa, sentia que de alguma maneira, o que era naquele momento, não poderia entrar naquele lugar.
                ___ Moça. __ chamou o garçom.
                Ela não respondeu, na verdade sequer havia escutado.
                ___ Moça. __ repetiu o homem, mais alto dessa vez.
                Ela o olhou fundo nos olhos, sua boca não se mexeu, seus olhos pareciam duas turmalinas negras, vazias.
                ___ A senhora está bem? Nem encostou no café. __ observou.
                Era um rapaz jovem, jovem demais para saber que não se aborda um cliente daquela maneira.
                Aparentemente sem voz ainda, conseguiu movimentar a cabeça de forma a indicar que estava bem.
                As pernas pareciam vacilantes, o corpo estava dolorido, toda ela parecia estranha.
                Nada mais voltaria ao lugar, sabia bem no fundo de si, mas era preciso seguir em frente.
                Perguntou onde era o banheiro e, com mãos trêmulas, passou o batom e delineou os olhos, arrumou o cabelo, o melhor que pôde, e saiu em direção à sua vida. Mas que vida seria aquela? De que maneira seguiria?
                Esperava, como todos os dias, a hora das risadas e abraços.
                ___ Oi, mamãe, estou morrendo de fome!__ Tiago foi logo dando a mochila e a pasta para que ela as levasse.
                Com apenas seis anos, já parecia um menino crescido, era o mais alto da turma.
                ___ Primeiro você vai ter que me contar como foi o seu dia e o que fez na aula, depois pensaremos em algo para comer.__ falou a mãe.
                ___ Eu estudei. __ respondeu lacônico.
                A resposta curta a fez sorrir, crianças eram sempre tão objetivas...
                O retorno ao lar pareceu mais suave, com aquela mãozinha pequena segurando-a. O calor que emanava daquele pequeno ser a enchia de esperança.
                Em pouco tempo, Heitor chegaria. Queria deixar o jantar adiantado, e se arrumar um pouco.
                Preparou tudo, estava ansiosa. Ele parecia estar atrasado, mas isso era comum, às vezes demorava mais na rua, ou ia ver um cliente em potencial. O marido era corretor de investimentos e ela trabalhava como advogada em seu próprio escritório. A casa era bonita, arejada, tinha um estilo singular, estava repleta de fotos do menino e das viagens que fizeram.
                Olhando em volta, dava para perceber que haviam superado a infância pobre em uma favela com alta criminalidade no Rio, conseguiram focar em seus estudos e mirar um futuro onde não houvesse projéteis incandescentes rasgando o escuro da noite.
                Quando se mudaram para aquele condomínio de classe média, perceberam os olhares atravessados dos vizinhos; para muitos, o lugar daqueles pretos não era ali, mas com serenidade, souberam driblar o preconceito, só queriam dar um lar melhor para o filho.
                Tiago começou a gritar da sala avisando que o pai estava chegando.
                Alegre, Heitor abraçou o filho e o trouxe nos ombros, pareciam cópias fiéis um do outro, mas não se podia dizer que Tiago não possuía nenhum traço da mãe, o sorriso era muito parecido com o dela.
                ___ Hoje você demorou muito!__ a voz saiu mais áspera do que ela gostaria.
                ___ Tive que fazer uma visita quando já estava a caminho de casa. __ ele pareceu não se importar com a expressão carregada no rosto da esposa, ela andava nervosa nos últimos dias, o que era compreensível, trabalhava duro.
                ___ Pode dar banho no Tiago?__ perguntou ela__ Já fiz os deveres de casa com ele.
                ___ Posso tomar banho sozinho! __disse o menino com olhos marotos de quem nem abriria o chuveiro.        
___ Tudo bem. __ respondeu, Heitor __ Mas eu vou entrar só um pouquinho, para ver se você não vai molhar tudo.
Os dois saíram rindo da sala.
                Os barulhos vindos do interior da casa demonstravam que o banho já havia terminado,  se apressou em colocar a mesa.
                ___ Venham! __ chamou.
                Heitor parecia especialmente cansado naquele dia, respirava fundo, ombros caídos, estava distraído. Tiago preencheu o tempo falando de uma série de coisas, seus pensamentos eram rápidos como a luz, falava sem parar, o pai costumava dizer que ele seria comentarista de jogos de futebol.
                Os olhos da esposa não saíam de cima do marido, embora quisesse saber o que estava acontecendo, não queria perguntar, até porque não estava muito disposta para conversar sobre o que quer que fosse. Mas seu cérebro estava treinado para perceber quando algo estava errado.
                Já deitados, ouviu Heitor soltar um longo suspiro. Aquela era a  sua deixa.
                ___ O que aconteceu hoje? __ questionou.
                ___ Estou decepcionado. __ suspirou novamente.
                “Um coração culpado é um coração atormentado, como o mar em dia de tormenta.”, pensou ela.
                ___ Isso me lembra a minha infância, quando chegava o Natal e eu ganhava um brinquedo, mas não o que eu realmente queria. __ela tentou brincar.
                ___ A história é mais ou menos essa. Estava certo de que fecharia um grande negócio, um cliente rico, dono de uma empresa de construção... Hoje ele pediu que eu fosse até a casa dele. Bom, quando cheguei lá, ele disse que estava com dúvidas, achava que esse não era o momento certo para investir... Resumindo, ele não quer continuar com os planos.
                Heitor havia se dedicado por bastante tempo na pesquisa do perfil do cliente, fez um levantamento dos seus investimentos, dos ganhos e das perdas que poderia ter, caso mudasse o rumo de suas transações. Aparentemente tudo isso não surtiu efeito, o homem não era tão arrojado quanto deveria ser.
                Ágatha disse as palavras que achou coerentes naquele momento, não conseguiria, ou melhor, não podia, minimizar os sentimentos do esposo, ela própria estava perdida em si mesma.
                O sol ainda nem nascera direito e o casal já estava de pé, havia uma série de coisas a serem feitas, a começar por preparar o café da manhã e aprontar Tiago para ir à escola.  A criança acordava sonolenta e ligeiramente mal humorada, as idas e vindas pelo corredor indicavam que estavam com pressa, algo rotineiro nos dias de semana. Heitor o deixaria na escola para que a mãe o pegasse no final da tarde. Esse foi o arranjo possível, não tinham quem fizesse isso por eles.
                O escritório estava às escuras, algo incomum, fazendo com que a advogada soltasse um sonoro palavrão. Júlia, a recepcionista já deveria ter chegado uma hora antes dela. Acendeu as luzes e foi para sua sala. Mal havia se sentado e o telefone tocou.
                ___ Doutora Ágatha, em que posso ajudar? __ atendeu.
                ___ Preciso falar com você. __ disse a voz do outro lado da linha.
                Sempre direto. Essa era uma característica marcante demais para que ela tivesse esquecido.
                ___ Senhor Monteiro, __ jamais o chamara assim __ sinto muito, mas hoje não poderei atendê-lo, tenho uma audiência agora pela manhã. Mas... ligue mais tarde... tente agendar um horário com a Júlia.
                Não ouviu nenhum ruído do outro lado da linha enquanto apertava com mais força o aparelho.
                ___ Eu entendo. __ respondeu calmo __ Farei o que pediu.
                Monteiro não se despediu, apenas encerrou a ligação.
                Ela se viu surpresa com isso, mas respirou aliviada, não havia mais nada o que pudesse fazer, e deu o assunto por encerrado.
                Começou a organizar sua mesa e quando o fez não ficou tão aborrecida com o atraso da recepcionista: alguns papéis estavam no chão, assim como o retrato e outros objetos. A impressão que dava era a de que uma janela havia ficado aberta durante a noite, deixando entrar o vento forte do inverno, quando na verdade ainda estava no outono.
                Anotou mentalmente que deveria comprar outro porta-retrato, o vidro estava quebrado bem no meio. Aquela era uma das muitas fotos que tinha no escritório, era o registro de seu casamento, sete anos antes: ela e Heitor estavam nos braços um do outro e sorriam para o futuro.
                Quando levantou os olhos percebeu horrorizada que o tempo havia passado mais rápido do que se dera conta, e estava em cima da hora para comparecer ao Fórum. Jamais se atrasara antes para um compromisso.
                O salto batia forte no chão, os passos eram decididos e apressados. Mal cumprimentara o cliente, Samuel, e já estavam sendo chamados para a audiência. Estava transpirando e respirando forte, exatamente como no dia anterior.
                Aquela era uma causa importante, ela estava lutando contra um grande banco. Samuel percebera que havia sumido uma grande quantia em dinheiro de sua conta, indignado, procurou o gerente e, para sua surpresa, recebeu apenas respostas vagas. O homem não conseguira explicar como aquilo havia acontecido e pior, não lhe dera uma solução. Diante de tais evasivas, procurou o escritório dela, que entrou com uma ação contra o banco.
                Ágatha recusara a proposta feita pelos advogados da outra parte: restituírem o valor retirado da conta, corrigido com os juros da poupança. Achara um verdadeiro insulto à sua inteligência, aqueles engravatados a estavam subestimando. Teriam o que mereciam! 
Argumentou que caso a situação fosse contrária, se Samuel estivesse devendo ao banco, teria de pagar o dinheiro corrigido pelos juros do cheque especial, portanto, como fora o banco que o lesara, as regras deveriam ser as mesmas para o ressarcimento. Ela sabia que eles não tinham saída, seu argumento era bastante razoável, apresentariam uma contraproposta.
                Uma nova audiência seria marcada. Explicou tudo ao idoso e disse que entraria em contato assim que tivesse alguma novidade. Decidiu que não voltaria imediatamente ao escritório, almoçaria pelo centro da cidade mesmo e depois partiria em busca de uma nova moldura para a foto de seu casamento.
                A procura não foi em vão, encontrou uma dourada, bastante chamativa e muito bonita. Sorriu para si mesma pensando em como ficaria linda em sua mesa de trabalho.
                Ao voltar para o escritório encontrou a funcionária sentada a mesa com ar triste.
                ___ Doutora, __ disse a jovem __ a senhora me desculpe pelo atraso. A condução demorou muito hoje. Fui para o ponto no horário de sempre, mas passaram dois ônibus lotados, era impossível entrar, tive que esperar outro, aí acabei me atrasando.
                A busca por moradias mais baratas e regiões menos violentas fez com que as pessoas buscassem fixar residência em lugares distantes do centro da cidade, como a Baixada Fluminense e a Zona Oeste. Mas as autoridades responsáveis não deram o devido suporte a essas pessoas. Grande parte da população sofria com a falta de infraestrutura, com a falha no sistema de transporte, saúde e educação. A jovem morava muito distante do escritório e Ágatha sabia disso.
                ___ Tudo bem, Júlia. __ respondeu sensibilizada com a situação.
                ___ Alguns clientes entraram em contato. Pediram que a senhora retornasse as ligações.
                A maioria queria saber sobre o andamento de seus processos, mas ela não tinha nada a lhes dizer ainda, a justiça era morosa, em alguns casos, uma causa poderia se arrastar por anos a fio.
                Ela sabia que ficaria retida por um longo tempo nisso, mas era algo que precisava ser feito. Os clientes se sentiam mais seguros com o retorno dela, esse era um diferencial importante da advogada. Eram tratados com proximidade por ela, buscava humanizar mais a relação advogada/cliente.
                Nos dias que passaram, algumas causas foram finalmente encerradas e outras surgiram. Tanto Ágatha, quanto Heitor,  tiveram uma semana agitada, chegavam ao final do dia exaustos, sentiam que estavam distantes um do outro há tempos, mas a luta diária pelo sustento não permitia que parassem para analisar a fundo o que estava acontecendo.
                O marido lhe comunicara que passaria o final de semana trabalhando em uma pesquisa para um cliente, como não queria incomodar, ela buscou atividades que pudesse fazer fora de casa com o pequeno Tiago.
                ___ Sabe o que vamos fazer hoje? __ perguntou ao filho.
                ___ Não, mas eu pensei em jogar futebol com o papai. __ disse o menino.
                ___ Não, filho, hoje não vai dar, o papai vai ter que trabalhar e nós, __ fez uma pausa para deixá-lo curioso __ nós vamos ao zoológico!
                ___ Oba! __ vibrou __ Vou ver o leão!
                O passeio foi maravilhoso. Tiago ficava encantado com todos os animais que via, a felicidade estava estampada em seu rosto, mas os pensamentos da mãe estavam muito distantes dali. Pensava em como um casamento era algo complicado: duas pessoas com criações diferentes, com inúmeras questões internas vivendo juntas. Por um lado pensava que isso não era algo necessariamente ruim, pelo contrário, era algo positivo, não estariam vendo uma cópia de si mesmos, mas por outro, pensava no quão custoso emocionalmente era manter uma união. A paixão passara logo nos primeiros anos, o que ficou era algo maior, que dependia exclusivamente de cada um: a vontade de ficar juntos. Essa vontade fora reforçada com o nascimento do filho.
                Quando voltaram para casa, Heitor estava falando no telefone com alguém.
                ___ Filho, __ disse a mãe __ por que você não toma um super banho e depois desce para mostrar ao papai as fotos que tiramos no passeio?
                “Não existem soluções fáceis para nenhum tipo de problema.”, pensou triste. O menino já deveria estar cansado de ver o pai sempre muito ocupado, mas Ágatha fazia o melhor que podia para contornar a situação.
                O dia seguinte foi ainda mais animado para Tiago, a mãe o levara a um parque de diversões, se divertiram nos brinquedos e almoçaram por ali mesmo. Quando voltaram Heitor não estava. Nem sempre o marido lhe dava satisfação do que fazia, mas poderia ao menos ter deixado um bilhete.
                Voltou para casa no início da noite, estava muito feliz, fechara um negócio com o cliente do telefone. Ela o ouvia em silêncio. Eufórico, disse que fora convidado para tomar umas bebidas e aceitara, afinal, um momento como aquele deveria ser comemorado.
                “Então quer dizer que todo o negócio que ele fechar, vai sair com o cliente para comemorar?” __ pensou irônica.
                Estava animadíssimo, falava alto e gesticulava bastante.
                Sem mover um músculo da face, lentamente ela foi pegando as coisas que ele foi deixando pelo caminho: paletó, sapatos e meias. Estava irritada! Aquele tempo a mais que ele ficou na rua, poderia ser usado para ficar um pouco com ela e o filho.
                “Fiz a minha parte.” __ pensou desanimada.
                Dessa vez, quando chegou pela manhã, Júlia já estava. De acordo com o seu planejamento, passaria aquele dia no escritório, atendendo a algum eventual cliente e relendo os processos.
“Um dia tranqüilo.” __ pensou.
O breve mal estar que sentiu, indicava que já estava na hora de almoçar.
                Enquanto caminhava em direção ao restaurante de sempre, um carro parou no acostamento, ouviu uma porta bater quase ao mesmo tempo em que uma mão tocava o seu ombro. Virou-se e deu de cara com Monteiro.
                ___ Oi. __ disse ele.
                ___ Oi. __ ela queria falar mais alguma coisa, mas não sabia o que dizer.
                ___ Não vou mentir para você e dizer que estava passando por aqui e a vi. Não, nada disso.__ inspirou profundamente__ Eu estava esperando você.
                Dessa vez não havia a barreira da distância, estavam ali, frente a frente.
                ___ Estou indo almoçar. __ disse ela.
                ___ Eu sei, por isso fiz reserva em um restaurante especial. __ foi logo abrindo a porta do carro para que ela entrasse.
                Como cliente antigo, já haviam almoçado diversas vezes juntos. As conversas eram sempre agradáveis... Mas não sabia se dessa vez seria o mesmo. Estava hesitante, mas o olhar dele a convenceu, fez com que se sentisse segura.
                Quando viu que estavam se encaminhando para a ponte Rio – Niterói, perguntou aonde estavam indo. Misterioso, apenas a olhou e não disse nada. A viagem foi feita em silêncio, no rádio uma música suave...
                A advogada gostava de passear por Niterói, embora já tivesse passado muito tempo desde a última vez que estivera ali.
                O restaurante era de tirar o fôlego, as paredes envidraçadas permitiam ao visitante se deleitar com a vista da praia e do Rio de Janeiro, do outro lado da baía. Ele estava tentando impressioná-la, e ela sabia disso.
                ___ Aqui é lindo! Obrigada pela gentileza. __ disse, educada.
                ___ Não precisa agradecer... Não nos despedimos direito da última vez que nos vimos, não tivemos oportunidade para conversar sobre o que aconteceu. __ falou.
                ___ Senhor Monteiro... __ começou ela.
                ___ Achei que não tínhamos mais esse tipo de formalidade há anos, três anos, para ser preciso. Chame-me apenas de Gustavo, como sempre. __ interrompeu ele.
                ___ Gustavo, __ ela ficou indecisa sobre como introduzir o assunto __ não aconteceu nada, quer ... quer dizer, não há nada para conversar.
                O garçom se aproximou a fim de anotar os pedidos. Ficaram momentaneamente em silêncio.
                ___ Você acha mesmo que pode dizer isso, que não aconteceu nada. Ágatha, aposto que as suas lembranças daquele dia são completamente diferentes. __ alfinetou.
                Os olhos escuros, quase negros a esquadrinhavam, imperiosos, pediam uma resposta, quase a hipnotizaram, levaram-na de volta à semana anterior.
                Júlia deveria ir a alguns bancos, depois estava dispensada. Ágatha ficaria por mais um tempo.
                Gustavo apareceu sem avisar, levara consigo uma minuta de contrato. Estava negociando com um proprietário a compra de duas salas comerciais em um prédio, pretendia fazer uma grande reforma para depois alugar. Essa era sua estratégia, acumulara uma grande quantia em dinheiro com isso. Ela deveria analisar o contrato, ver se havia algo a ser alterado. Leu com calma e aparentemente estava tudo em ordem. Devolveu a pasta dando o seu aval.
                Antes de ir, ele puxou assunto, perguntou por Tiago. Ela pareceu se iluminar só em falar no menino. Contou suas proezas na escola e sobre como estava esperto, mas quando o assunto foi sobre Heitor, os olhos pareceram ficar tristes, como se alguma nuvem tivesse escondido o sol que iluminara aquele olhar momentos antes. Discreta, disse apenas que o marido estava trabalhando muito.
                Ele não se aproximou nesse momento, deixou que ela continuasse falando, que relaxasse. Por mais que a conversa parecesse trivial, ele sabia que o casamento não ia tão bem assim. Nesse ínterim, Ágatha deu a entender que a conversa acabara ali. Levantou-se e foi em direção a porta.
                “A ousadia, quando bem dosada leva ao sucesso.” Gustavo adorava falar isso quando estava entre amigos, e ali, diante de si, estava a grande oportunidade tão esperada ao longo dos anos. Desde que a vira pela primeira vez, sonhava com uma oportunidade de tê-la nos braços.
                De surpresa ele a enlaçou e beijou-a. Num primeiro momento ela não o repeliu, pelo contrário, sugou-o mais ainda para dentro de si. Encorajado pela resposta dela, não parou, apertou-a ainda mais e seguiu em direção a mesa do escritório, derrubando tudo o que estava ali em cima. Voraz, levantou a saia dela e, como um perito, tirou a calcinha, tocou-a levemente, encontrando seu sexo intumescido e molhado.
                Ágatha estava excitada demais para se dar conta do que estava prestes a acontecer. Fazia tanto tempo que ela e Heitor não transavam...
                Carinhoso, Gustavo libertou seus seios fartos do apertado sutiã, fazendo com que se mostrassem em todo o seu esplendor. Para olhos enfeitiçados pela indústria da beleza, aqueles não seriam seios muito atraentes, havia marcas do longo período de amamentação, mas para ele, isso não a desqualificava em nada, pelo contrário, fazia com que parecesse mais plena como mulher.
                A aspereza da barba em contato com a pele sensível lhe trazia sensações inebriantes...
                Ela estava quase se entregando quando algo a fez parar. Não sabia ao certo o que estava sentindo, mas encostou a mão no peito dele e o afastou. Imediatamente recolocou suas peças íntimas e abotoou nervosamente a blusa. Gustavo respirou fundo, tentando conter sua excitação, estava frustrado.
                ___ Por favor, vá embora. __ pediu em voz baixa.
                Calado, abriu a porta e se foi.
                De volta ao restaurante Ágatha tentou se recompor, a simples lembrança daquele dia a deixara saudosa e confusa.
                ___ Gustavo, eu sou uma mulher casada, muito bem casada. __ começou ela __ Estamos passando por uma crise conjugal nesse momento...
                Respirando fundo, o encarou, procurando ganhar tempo para formular suas próximas palavras.
                ___ Você é um homem muito... interessante e... eu acabei me deixando levar, naquela hora, admito. __ seu discurso começou a ganhar força __ E por que não? Estou cansada, farta de uma série de coisas na minha vida pessoal, é difícil ser forte o tempo inteiro. Mas as dificuldades foram feitas para ser superadas. Quero deixar bem claro que não voltará a acontecer. Além disso, quero que você fique a vontade para procurar outro profissional, caso se sinta melhor assim.
                Ele estava furioso, mas procurou se conter.
                ___ Você realmente é uma advogada brilhante. __ disse ele.
                ___ Por que diz isso? __ perguntou ela.
                ___ Porque você tem paixão nos seus olhos. Você é apaixonada por suas causas e eu admiro isso. __ concluiu Gustavo.
                Ágatha não acreditava cem por cento no que ele estava dizendo, mas ele era um grande cliente e não poderia se dar ao luxo de dispensá-lo, por isso não insistiu em não representá-lo mais.
                Passada a tensão entre ambos, o almoço transcorreu sem problemas.
                Depois daquele encontro, Gustavo não entrou mais em contato, Ágatha pensou nele algumas vezes, se questionava o porquê de tanto silêncio, mas não havia motivos para ligar para ele. Poderia inventar alguma desculpa, mas não se sentia bem com a ideia de fazer isso, era melhor deixar as coisas como estavam.
                ___ Amor, esqueci de te avisar, __ começou Heitor__ vou viajar.
                Aquela semana seria complicada para Ágatha, teria várias audiências, estava cheia de compromissos.
                ___ Como assim, viajar? __ perguntou ela.
                ___ O Gilberto, dono da imobiliária, já te falei sobre ele. __ Heitor esperou que a esposa dissesse algo, mas ela permaneceu em silêncio. __Então, ele quer expandir os negócios em São Paulo e me convidou para ir ver um novo espaço em Alphaville.
                Ágatha estranhou aquilo, mas não queria parecer ciumenta. Aquela poderia ser uma grande oportunidade para Heitor conhecer outras pessoas. Daria um jeito, pediria à mãe, Rosa, para ficar na casa dela os dias que o marido estivesse fora.
                ___ E quantos dias vai ficar lá? __ perguntou a ele.
                ___ Uns cinco dias. __ respondeu.
                Um novo desconforto se apoderou dela. Aquela história estava ficando muito estranha, seria muito tempo fora. Mas não se atreveu a argumentar com ele, não sabia se para não parecer desconfiada ou pelo que havia acontecido com Gustavo.
                Marido e mulher se despediram no dia seguinte, bem cedo com um beijo rápido e a promessa de que se falariam diariamente.
                Tiago não gostou da ideia de ficar longe do pai, estava acostumado a vê-lo todos diariamente.
                ___ Eu não vou tomar banho agora, só depois. __ disse o menino.
                Já acostumada com essa fala do pequeno, a mãe olhou-o bem nos olhos e disse:
                ___ Vai agora.
                Sensato, Tiago não falou mais nada e se encaminhou para o andar de cima.
                ___ Você parece cansada, filha. __ disse Rosa.
                ___ Ah, mãe, essa viagem do Heitor me pegou de surpresa, essa semana está tensa para mim. __ desabafou.
                Perspicaz, a mãe perguntou:
                ___ O que está havendo entre vocês? As últimas vezes em que nos vimos percebi seu marido muito estranho.
                A filha tratou de desconversar, não queria se abrir, imaginava que as coisas voltariam ao normal entre eles.
                Depois dos longos cinco dias, Heitor voltou. Ágatha estava verdadeiramente com saudades dele e lhe preparou uma surpresa: deixou o filho na casa da mãe, queria uma noite plena.
                Ele já havia desfeito a mala e tomado banho quando ela entrou no quarto.
                ___ Já está deitado é? __ ela sorriu insinuante.
                ___ Nada como a nossa cama. __ ele respondeu.
                Silenciosa, ela se deitou ao seu lado, acariciou-lhe as costas até enfim chegar ao membro dele, massageando-o delicadamente, para cima e para baixo.
                ___ Ágatha, eu estou cansado, a cama do hotel era desconfortável, eu só quero dormir um pouco. __ disse ele tirando a mão dela.
                Frustrada e cheia de desejo, ela se encolheu. Pensou que fora precipitada, ele deveria estar exausto, tentaria outro dia. Sexo não era problema para eles.
                Na manhã seguinte Tiago estava de volta, se jogou nos braços do pai. A cena deixou-a emocionada. Tanto ela como Heitor haviam lutado muito para chegar onde chegaram, para ter a família que tinham... o casamento deles merecia uma segunda chance.
                Quando enfim o marido parecia disposto para transar, os corpos não pareciam se encaixar tão bem, ele parecia apressado e inquieto. Aquilo era algo novo para ela.
                Infeliz, se entregou de corpo e alma ao trabalho, levou alguns processos para casa, deitava na cama e dormia um sono pesado, tamanha a exaustão em que estava. Com Heitor, a história parecia ser a mesma, já não se beijavam, ou questionavam como havia sido o dia do outro.
                Ágatha sentia falta de ser tocada, aquele jejum estava mexendo com sua cabeça. Havia dias em que se contentava com seus afazeres, mas em outros, acordava, no meio da noite, excitada com os sonhos que tinha, buscava conciliar novamente o sono e torcia para que os sonhos a deixassem em paz.
                Naquele dia, sexta-feira, não tinha muito o que fazer no escritório, mas não queria voltar para casa. O filho estava numa festa de um colega e dormiria na casa da mãe dela,  Heitor provavelmente estaria com algum cliente, algo que se tornara rotineiro nas noites de sexta. Pouco antes das cinco horas, dispensou Júlia, a secretária, terminaria uma petição e depois fecharia o escritório.
                Pensava em comprar um vinho, a caminho de casa, para relaxar um pouco, seus ombros doíam e a mente já estava cansada.
                Xingou quando a campainha tocou. Já estava juntando as coisas para ir embora.
                Com o rosto aparentando cansaço, abriu a porta e Gustavo estava ali.
                ___ Oi. __ disse ele.
                ___ Oi, Gustavo, eu... eu já estava de saída... Entre. __ respondeu ela.
                Ele estava tranquilo e dessa vez não trazia nenhuma pasta.
                ___ Passei aqui para te ver. Estava com saudade. __ disse ele.
                ___ Saudade?__ ela estava confusa __ Olha, Gustavo, já conversamos sobre isso, você sabe que eu sou casada e isso... isso é muito inapropriado.
                ___ Ágatha, eu tentei me afastar de você... aquele dia no restaurante, eu me controlei ao máximo para não me aproximar... para não tocar em você...__ replicou ele __ Mas eu não estou conseguindo, eu...
                Sem dizer nenhuma palavra, olhando-a nos olhos ele foi se aproximando, sem que ela recuasse. Primeiro tocou os braços dela, subiu as mãos até a nuca, que já estava arrepiada, acariciou o rosto, tocou de leve a boca. Sentiu as mãos de Ágatha em sua cintura, sabia que ela estava se entregando, abraçaram-se, forte.
                Mais uma vez aquela barba fez com que ela se arrepiasse, gemeu. Vendo os lábios dela entreabertos, Gustavo a beijou forte, pararam para respirar e se beijaram novamente.
                Ela sentiu um pouco de frio quando se deitaram no chão, mas ele tirou o paletó e colocou por baixo dela.
                Sem pudores, Ágatha se despiu o melhor que pôde, queria aquele homem, queria sentir prazer, queria ser penetrada. Não havia tempo para preliminares, quando sentiu o pênis dele ereto como um mastro cuidou para que ele encontrasse o caminho.
                Os gemidos eram lascivos, sedentos um do outro, ela o puxava mais e mais para baixo e prontamente era correspondida. Se alternavam por cima um do outro, não havia um roteiro a ser seguido, estavam se experimentando. Ainda excitadíssimo ele se encosta em sua vulva, em uma estranha masturbação, até ela gozar. Com o corpo dela ainda se convulsionando em êxtase, ele a penetrou implacavelmente, até que ela se sentisse sufocada, num misto de mais excitação e cansaço, ele finalmente gozou.
                Ele deixou que o corpo ficasse ainda alguns segundos em cima dela, depois foi para o lado, tirou a camisinha, amarrou-a e olhou para ela. Ágatha respirava serena, estava feliz, sentia que ainda era uma mulher, capaz de despertar desejo em alguém.
                Gustavo já era um homem vivido, tinha pelo menos dezesseis anos a mais do que ela, sabia o quanto ela estava vulnerável... Ele sempre a desejara, adorava ver os músculos do rosto dela se contraírem quando sorria, ou ainda, sua aparência séria quando estudava um contrato. Aquela mulher nascera para ser amada, e faria tudo o que estivesse ao seu alcance para que ela fosse feliz. Em parte o que ele queria era a juventude dela, sua vivacidade, sua vontade de viver. Ele sempre fora um canalha com as mulheres, usara elas e depois as descartara, mas elas também não eram nenhuma donzela em apuros, também tiraram proveito dele e do dinheiro dele, mas Ágatha era diferente, nunca se deixou levar por seu charme, em momento algum se insinuara para ele, isso o deixou intrigado e fez com que se interessasse mais por ela e por sua vida.
                Ao invés de mirar o teto, ela o olhou por um longo tempo. Sempre o achara atraente, mas tinha um trabalho a fazer, não se desviaria disso. Com o passar do tempo, aprendeu a conhecer aquele homem, era um visionário, sabia quando deveria avançar, quando deveria recuar nos negócios, via potencial onde ninguém imaginava. Ágatha sabia no que estava se metendo, mas não se preocuparia com isso.
                Beijou-o.
                Voltou para casa se sentindo outra pessoa, cruzara a linha invisível, rompera os votos que fizera e não se sentia culpada por isso.
                Tomou um banho quente, passou o sabonete pelo corpo quase que com parcimônia, não queria tirar o cheiro da pele de Gustavo dela, não queria apagar os vestígios daquela noite.
                Não viu a hora que Heitor chegou, quando se deitou na cama, caiu num sono profundo, quando saiu do quarto, já pela manhã, é que viu o marido deitado no sofá da sala, ainda com a roupa com que saíra no dia anterior.
                Foi para a cozinha, preparou um café para ambos, colocou a mesa e o acordou. Ele parecia um pouco confuso e cheirava a bebida.
                ___ Heitor, por favor, tome um banho e melhore essa cara. Vou à casa da minha mãe buscar o Thiago, não quero que ele te veja assim quando chegarmos. __ disse ela.
                Heitor ficou feliz por não responder a uma série de perguntas da mulher, já Ágatha, sentiu que seria hipocrisia demais questionar onde ele estivera, ou a que horas chegara na noite anterior.
                Durante o final de semana se comportaram como se nada tivesse acontecido, levaram o filho ao cinema, brincaram com ele e conversaram trivialidades.
                Gustavo não telefonara nem um dia, o que pareceu até um alívio para ela, porque ainda não sabia como lidar com a situação em que estava, curiosamente, o telefone de Heitor também não tocara, parecia que o mundo havia esquecido da existência deles.
                Júlia recebeu a chefe com um sorriso enorme.
                ___ Bom dia, Júlia. Nossa, quanta felicidade! O final de semana foi bom? __ perguntou Ágatha.
                ___ Na verdade o meu final de semana foi tranquilo, sem novidades. Mas a senhora deve ter sido bem feliz no seu. __ disse a secretária ainda sorrindo.
                Ágatha não entendeu o que ela queria dizer até abrir sua sala e ver o que estava em cima de sua mesa. Ali estava um enorme buquê de rosas vermelhas.
                Ela ficou sem fala e correu para ler o cartão, nele estava escrito apenas: “ Pensando em te (re)ver. Saudades.”. Embora não houvesse assinatura, ela sabia muito bem quem as mandara. Um sorriso surgiu em seus lábios, acompanhado das lembranças da noite que tiveram.
                Ligou para ele, mas em vão, Gustavo não atendeu, limitou-se a deixar um recado. Passou todo o dia ansiosa, esperando um telefonema que não veio
                Pensando bem, foi até bom ele não ter atendido a chamada dela, assim teria mais tempo para pensar, não sabia o que fazer dali para frente, aquilo não era um relacionamento, afinal, Heitor podia estar ou não tendo um caso e, mesmo que estivesse, não era justificativa para que ela fizesse o mesmo.        
                A confusão em sua mente era tão grande que resolveu não pensar mais sobre o assunto e mergulhou no trabalho, só parou quando Júlia passou uma ligação para a sala dela.
                ___ Doutora Ágatha, em que posso ajudar? __ perguntou ela.
                ___ Aceitando o meu convite para jantar amanhã. __ respondeu Gustavo do outro lado da linha.
                Involuntariamente ela sorriu, sabia que era errado, que não deveria voltar a se encontrar com ele, mas seus impulsos foram mais fortes.
                ___ Lamento, mas não posso jantar com você. __ fez uma pausa, enquanto o telefone parecia mudo do outro lado __ Tenho que ir buscar o meu filho na escola.
                ___ Tudo bem, aceito perder para ele, mas o que acha de almoçar, então? Sem segundas intenções, é claro. __ eu riu.
                Mordendo o lábio inferior, a doutora apresentou uma contraproposta:
                ___ Essa semana tenho alguns clientes para atender, mas podemos nos ver na semana que vem, não tenho compromisso nenhum marcado para a tarde de segunda-feira.
                ___ Então temos um acordo? __ disse Gustavo em tom maroto __ Eu aceito.
                Ágatha estava animada quando se despediram. Não seria fácil guardar aquele segredo, mas tentaria ao máximo.
                A semana passara lentamente, havia dias em que ela daria tudo para ver Gustavo, mas preferiu frear seus sentimentos, não era mais uma garotinha, já era uma mulher, consciente das implicações que poderiam ter suas atitudes.
                Notara que Heitor estava diferente, quase não se falavam, dormiam juntos todas as noites, mas sequer se encostavam. O clima era tenso entre eles, mas procuravam disfarçar quando estavam perto de Thiago.
                Finalmente chegou o dia em que veria Gustavo. Ansiara pelo momento de estarem sós. Saíram do escritório e foram direto a um motel distante dali, ainda no carro se beijaram e se tocaram. No motel não experimentaram a cama ou sentiram os lençóis macios, tiraram suas roupas e transaram de pé. Deliciosamente espremida contra a parede ela o beijava no pescoço e acariciava suas costas, enquanto ele segurava uma de suas pernas para que penetrasse profundamente nela, sussurravam palavras obscenas no ouvido um do outro, apertavam-se mais e mais. Ela gozou primeiro, Gustavo sentiu as fortes contrações de suas paredes vaginais, aquela era sua deixa, não poderia se segurar, gozou forte.
                O que tinham era diferente, não era uma transa qualquer.
                Estavam famintos e pediram o almoço no quarto. Conversaram sobre várias coisas, Ágatha era engraçada, fazia piada de tudo, seu sorriso ela encantador. Tomaram banho juntos, ela ria enquanto ensaboava suas costas e ele acabou colocando toda ela embaixo do chuveiro, riram como dois adolescentes.
                Ele a levou até a escola do menino, se despediram como dois amigos e cada um tomou o seu rumo.
                ___ Seu cabelo está molhado, Ágatha. __ disse Heitor.
                Ela ficou verdadeiramente surpresa, não pensara nisso quando estava com Gustavo, mais surpresa ainda pelo marido ter reparado.
                Ela disse que estava muito quente aquele dia e molhara um pouco o rosto e o cabelo no escritório. Ambos sabiam que ela estava mentindo.
                Naquela mesma semana encontrou Gustavo e foram para o mesmo motel, a sensação era inebriante, ela estava feliz.
                A fim de passar mais tempo com o amante, Ágatha pediu que a mãe fosse buscar Thiago na escola, aquela estava se tornando uma prática comum na vida dela nas últimas semanas. Isso não passou despercebido por Heitor, que embora tivesse seus próprios segredos, não admitia que a esposa também pudesse ter os dela.
                Ainda com um sorriso no rosto, lembrando do amor que tinha feito com Gustavo, ela girou a chave na porta de casa e deu de cara com Heitor sentado no sofá.
                ___ A sua mãe foi de novo pegar o Thiago na escola. __ disse ele.
                ___ Ah, sim. __  gaguejou ela __ Eu pedi porque fiquei presa no escritório.
                ___ Sua mentirosa! __ vociferou ele __ Ligaram da escola para ela! Já havia passado do horário da saída e não tinha ninguém lá para buscá-lo!
                Ágatha ficou estarrecida, esquecera completamente de buscar o menino.
                Ambos levantaram a voz um para o outro, entre acusações mútuas, Heitor a acusou de traição.
                ___ Não fiz nada que você não tenha feito antes!__ gritou ela.
                Assumir assim que estava sendo infiel, chegou a ser um alívio para ela, mas a sensação durou pouco.
                ___ Pai, mãe, parem com isso. __ pediu Thiago.
                Olharam um para o outro, ambos estavam errados, não tinham o direito de chamar atenção do outro. Em algum momento começaram a pensar diferente e a seguir caminhos diferentes.
                Depois de mal tocarem palavras por uma semana, Heitor saiu de casa. Ficou combinado que passaria o maior tempo possível com o filho e isso incluía buscá-lo na escola alguns dias na semana.
                Dolorosamente Ágatha se lembrara do porta retrato quebrado na primeira vez que Gustavo a beijara, aquilo havia sido o início do fim.
                No quarto do motel, Gustavo notou a dor no fundo dos olhos dela. Ágatha se abriu com ele, falou da separação e se viu chorando.
                Gustavo a abraçou forte e lambeu suas lágrimas, queria que ela estivesse dentro dele; beijou seus olhos fechados, acariciou sua orelha, sorveu seu suspiro.
                Já na cama, em um processo lento, trocaram beijos e carícias. As roupas jaziam imóveis no chão, junto com um dos lençóis da cama. Gustavo não sabia se Ágatha estava doente ou se todo aquele calor era dela mesmo, a verdade é que suas entranhas ferviam, louco de desejo, ele suspirava, misturava seus arquejos com os dela, beijava e lambia seus seios, enquanto era apertado contra o corpo de Ágatha. Como uma amazona, ela o montou, apoiando as mãos no peito dele, controlando-lhe os movimentos. Fez com que ele tocasse sua vulva, adorava ser atiçada daquela maneira.
                O orgasmo foi intenso, dessa vez ela gritou e quase no mesmo instante Gustavo sentiu que não poderia mais se conter.
                Adormeceram.
                Com o coração cheio de pesar, Ágatha deixou a carta ao lado dele, sabia que ele não entenderia sua atitude, mas acabaria aceitando. Ela precisava de um tempo para organizar sua vida, para se reinventar. Thiago era sua prioridade e estava sentindo muito a separação dos pais.

                A advogada não tinha ilusões de que o amante esperaria por ela, mas se isso acontecesse, talvez pudessem reatar de onde pararam. Com esse pensamento, o beijou de leve na cama e foi embora 

sábado, 29 de dezembro de 2018

Cheiro de pólvora

            O vento no rosto lhe trouxe uma sensação boa: liberdade!
            Sentiu o corpo tenso no minuto em que a moto parou, sabia o que deveria fazer, sequer levantou os olhos ou se despediu, apenas respirou fundo, retirou o capacete, arrumou os cachos e partiu. Quando virou a esquina fez sinal para um táxi, precisava chegar descaracterizada. Minutos depois já estava de frente para o letreiro.
            Abriu a bolsinha prateada tipo carteira e entregou seu ingresso na portaria. O lugar estava lotado, mas recebera instruções expressas para onde deveria ir... perto das mesas reservadas, e, a primeira coisa a fazer, era observar.
            Alto, cabelos raspados, brinco na orelha, pulseira e cordão de ouro... aquele era o homem de quem deveria se aproximar. A tarefa não seria fácil, ele estava cercado de outros homens, provavelmente seus seguranças.
            As pernas tremiam, todo o seu corpo a alertava de que deveria sair dali, mas sabia que na rua seu destino estava selado, sua fraqueza teria um preço alto.
            Pediu uma bebida no bar, a primeira da noite seria para acalmar os nervos... Olhou para o palco e viu belas mulheres contorcendo seus corpos ao som de um funk proibido, a concorrência era enorme, mas Agnes tinha um diferencial, sua força de vontade.
            Perto do bar havia um belo rapaz, ele estava dançando não com uma, mas com duas garotas e provavelmente não se incomodaria de dançar com uma terceira. Ela foi se aproximando devagar, insinuante. Logo o trio abriu espaço para a beldade africana que chegou.
            Sorridente, primeiro ela dançou com uma das jovens, permitiu que a moça segurasse em sua cintura e ditasse o ritmo da dança, sensual... bastante sexy. Embora não fosse comum, duas mulheres estarem tão próximas assim, elas chamaram muita atenção e o rapaz não resistiu, ficou entre as duas e acariciando a terceira jovem.
            Como Agnes imaginara, o alvo não ignorou a cena, não tirou os olhos do estranho grupo.
            “Estou no caminho certo!”__ pensou. Mas embora isso parecesse ser algo positivo, ela sabia que não havia nada de bom nisso.
            ___ Quer ir ao banheiro comigo? __ Era a morena que lhe segurara pela cintura que estava perguntando.
            Pensou que aquilo poderia atrapalhar seus planos, mas talvez deixasse o alvo curioso, pensando onde ela deveria estar.
            ___ Vamos. __ aceitou.
            O banheiro era péssimo, mas pelo que Agnes pôde constatar, atendia ao que a jovem queria: cheirar cocaína. A mulher tirou um espelhinho da bolsa e dividiu com um cartão a droga em duas carreiras finas, pegou uma nota e enrolou até que formasse um canudo.
            ___ Você quer? __ indagou.
            Ela olhou a carreira e decidiu que aquilo já era demais.
            ___ Não, estou legal, obrigada. __ respondeu.
            ___ Eu gosto de cheirar um pouco, me deixa mais ligada, mas só faço de vez em quando. __ a morena tentou se justificar.
            “Como se isso fosse possível.”__ concluiu, mas ficou em silêncio.
            Como a outra não aceitara, Mara aspirou rapidamente as duas carreiras, ficou meio tonta. Abraçadas, saíram do banheiro e foram direto para a pista de dança, que parecia ter ainda mais cores.
            A música frenética logo as engoliu e voltaram para onde estavam, mas dessa vez com outros companheiros. Os homens eram bem audaciosos, tocavam os corpos suados das moças como se fossem frutas em exposição em uma feira livre.
            Esperta, ela tratou de não olhar diretamente a área reservada onde queria chegar, apenas fez parecer que estava cheia de energia... frenética. Não demorou para que um homem se aproximasse e falasse algo em seu ouvido. Ela fez sinal positivo com a cabeça e se despediu de seus parceiros de dança.
            Ainda encarnando a personagem, fez um ar de atrevida quando se viu frente a frente com o traficante mais poderoso da comunidade, o “Cem”, como era conhecido.
            ___ E aí, morena, nunca te vi por aqui. __ começou ele.
            ___ Nunca vim aqui. Uma amiga me deu a dica. __ tentou parecer confiante.
            ___ E onde está a sua amiga? __ perguntou, desconfiado.
            ___ Eu me atrasei, ela chegou primeiro e já deve ter saído com alguém, ela não é do tipo que fica sozinha por muito tempo, ainda mais em um lugar como esse. __ disse calma, a bebida já estava fazendo efeito.
            Ele deu uma sonora gargalhada, as garotas da pista gostavam dali.
            ___ Quer beber alguma coisa? __ perguntou simpático.
            Embora estivesse um pouco enjoada depois da vodka com energético, ela sabia que não era boa ideia recusar.
            ___ Quero uma cerveja. __ aceitou ela.
            ___ Orelha, manda trazer um balde para cá. __ gritou.
            “Esse deve ser algum comparsa.” pensou. Olhou bem para o tal homem, queria gravar mentalmente suas feições: magro, alto, rosto fino, cabelo curto.
            Como a música estava muito alta, não havia como conversar, se comunicavam aos gritos. Rápida, ela decidiu que ficar ali parada não seria de grande valia. Chamou-o para dançar, afinal estava ali para isso.
            Ele não a tocou, parecia fazer o tipo “voyeur”. Agnes sensualizou o máximo que pôde, passava as mãos no próprio corpo, embalada pela música. Relaxado, ele procurou acompanhar o ritmo dela. “Cem” era bom dançarino, o corpo atlético não parecia sofrer com a própria performance.
            As coisas pareciam ir muito bem, ele aparentava estar bastante atraído por ela, mas um dos homens com quem ele estava conversando quando chegara, se aproximou e falou alguma coisa no ouvido dele. “Cem” a encarou com olhar frio. Agnes começou a se desesperar, talvez tivesse sido descoberta, estava sozinha, não tinha ninguém para ajudá-la.
            ___ Gata, __ ele gritou__ volta aí outro dia. Tenho que resolver uma situação.
            O suspiro involuntário saiu de dentro dela sem ser ouvido.
            ___ Tá, ok. __ respondeu.
            Quando os viu sair, foi ao banheiro e vomitou. Não aguentava mais de tanto nervosismo, não conseguiria fazer aquilo.
            Sabia que ainda não estava na hora de ir embora, talvez houvesse alguém ali tomando conta dela. Estava esgotada emocionalmente, mas os riscos ainda eram enormes.
            Dançou bastante, dessa vez tomando o cuidado de não aceitar nenhum parceiro. Passada duas horas achou que já era seguro partir. Usou o celular novo para pedir um táxi, que a deixou na metade do caminho para casa e em seguida, pediu outro táxi que, enfim, a levou a seu destino.
            Ele não estava ali, o que era bom, lhe dava algum tempo com seus pensamentos. Num último esforço, foi ao seu quarto e pegou na mezinha de cabeceira outro celular, mais antigo e fez uma ligação.
            No primeiro toque veio uma voz masculina, aparentando ansiedade.
            ___ Oi, como foi?__ perguntou logo.
            Novo suspiro:
            ___ Não deu para conversar muito, dancei com ele, mas um homem o chamou e depois foram embora. __ disse.
            ___ Conseguiu ouvir o que eles disseram? __ continuava ansioso.
            ___ Claro que não! __ retrucou irritada__ A música estava muito alta! Ah, meu Deus, eu não vou conseguir fazer isso.
            Agnes começou a chorar.
            ___ Amor, __ a voz pareceu se abrandar__ não fique assim. Você está fazendo isso por nós dois... Vai valer a pena...
            Namoravam há quase sete anos, o relacionamento passara por muitos altos e baixos, ultimamente parecia ter estagnado, chegaram a um ponto que deveriam casar ou se separar. A jovem ainda estava apaixonada por ele, mas tinha dúvidas sobre o sentimento do amado, e, a partir dessa dúvida, e com a promessa de se casarem, ele a convenceu de participar de um plano ousado.
            Murilo era segundo sargento da polícia militar do Rio de Janeiro, sua ambição era subir rápido na carreira e sabia que prender um grande traficante e desmontar sua rede seria muito bem visto pelos superiores, provavelmente ganharia uma medalha por bravura e consequentemente, uma promoção. Para conseguir seu intento, persuadiu Agnes a ser sua informante; ela deveria se aproximar de Kayque Alves, o verdadeiro nome de “Cem”, observar tudo o que ele fazia e passar as informações.
            Ela fizera faculdade de “design” de moda e trabalhava em uma loja como vendedora, sonhava em alçar voos maiores, mas o desemprego e as contas para pagar deixaram-na assustada, isso fez com que aceitasse aquele trabalho, apesar do salário não ser compatível com o que gostaria de ganhar.
            Murilo era extremamente manipulador, tinha um temperamento explosivo, mas sabia ser encantador quando queria, e isso o tornava perigoso. Mas, embora ela tivesse medo desse lado dele, parecia estar sempre a espera de alguma mudança, de que finalmente ele melhorasse... buscava sua aprovação.
            ___ Tive uma ideia. __ disse Murilo __ O que você acha de vir aqui em casa, eu faço um almoço gostoso e ficamos juntos um pouco?
            ___ Olha, Murilo, estou cansada, não sei a que horas vou acordar... _ começou ela.
            Aquilo poderia representar uma rachadura, ela poderia reavaliar o plano e isso não era nada bom.
            ___ Amor, __ disse com voz suave __ vou te ligar mais tarde, conforme for, mando um táxi para te buscar.
            Era tarde demais para arrependimentos. Agora ambos corriam perigo, ele poderia ser desmascarado em uma operação não autorizada e ela corria risco de morte, caso descobrissem que era namorada de um policial.
            Foi difícil conciliar o sono, o sol já apontava no céu, mas por fim, o cansaço venceu a ansiedade. Quando acordou, Agnes sentia dores por todo o corpo, parecia não haver dormido nada. Como não estava acostumada a beber, também estava com dor de cabeça.
            Tomou uma aspirina e sentou no computador para ler os jornais. A primeira notícia a deixou chocada: um policial foi morto e deixado na rua. Aparentemente, ele não estava de serviço naquele dia e não se sabia qual a motivação do crime e nem como aconteceu.
           
            Era triste, mais uma vida brutalmente retirada, poderia ter sido Murilo. Respirou aliviada porque não era o agora, noivo. Isso a empurrou rumo ao destino. Ligou e avisou que iria vê-lo.
            Uma hora depois havia um táxi em sua porta para buscá-la, isso a animou um pouco. Ao chegar a casa do amado, foi recebida com um buquê de lírios brancos. Ficou encantada, não o imaginava capaz de tanta gentileza. Todo o medo que sentira no dia anterior e o cansaço deram lugar a uma borbulhante felicidade, seu coração parecia pular de alegria. Ali estava ele: de camiseta, bermuda e chinelos, parecendo alguém que ia à praia, parado, na sua frente, segurando aquelas lindas flores.
            Agnes correu para abraçá-lo, jamais duvidaria novamente de seu amor. Os braços musculosos a envolveram em um abraço de urso, passaram toda a paz e tranqüilidade que ela precisava.
            ___ Vou pagar o taxista e já volto. __ disse ele.
            Toda ela era luz, amor, paixão. Já nem lembrava mais de toda a desolação da noite anterior, vendo as pessoas se drogarem daquele jeito.
            Já dentro de casa, ela recebeu um beijo longo e apaixonado.
            ___ Murilo, __ disse ela __ precisamos colocar as flores na água.
            Com ar amuado, enquanto ela ria dele, pegou um pote grande com água e as colocou lá.
            Agnes o abraçou por trás, e novamente o desejo tomou conta deles, foram para o quarto. Na cama macia, entre beijos e botões abertos, começaram a se amar. Sempre tiveram paridade, ao menos na cama, sexo era algo que ambos gostavam, e muito. Eram atléticos e flexíveis, até mesmo loucos em alguns momentos. Mas ela estava ansiosa, os momentos que passou na noite anterior lhe deixaram marcas. Resolveu que ditaria o ritmo da transa, ficou por cima e atou seus pulsos, mas decidiu soltar as mãos dele para que segurasse seus seios fartos.
            Murilo também estivera muito tenso, estava cheio de energia. Segurou-a com força, puxando-a para baixo, queria penetrar mais fundo nela. Agnes era tão quente, tão deliciosa, nada o satisfaria mais do que estar dentro dela.
            Minutos depois, ele finalmente a dominou, colocou boa parte do seu peso em cima dela... sugou seus seios, enquanto deslizava a mão pela coxa grossa em busca dos pelos pubianos. Ainda excitado e firme, tocava sua vulva, com movimentos circulares, suaves, sabia como potencializar o prazer que ela estava sentindo. Excitou-a tanto e de tal forma que o gozo veio acompanhado de um longo grito de prazer. Não conseguiu segurar mais, gozou também. A impressão que tinham era a mesma, toda a energia que estava em seus corpos havia sumido, só conseguiram forças para respirar.
            Murilo nunca tivera uma parceira como ela, só a proximidade de Agnes o deixava excitado. “Ela é uma mulher e tanto.”, pensou.
            O momento enfim havia chegado, ela estava tranquila, serena...
            ___ Olha, eu sei que ontem foi difícil para você, mas eu preciso perguntar: como foi? __ inquiriu.
            Imediatamente ela se levantou, colocou a calcinha, o vestido e estava procurando a sandália quando ele os pegou.
            ___ Agnes, __ disse imperioso __ se você quiser ir embora depois de tudo o que aconteceu aqui hoje, eu vou tentar te entender, mas não sei se vou conseguir. Nós conversamos sobre isso antes, você sabe o quanto é importante para mim ter alguém ali, observando ele.
            Não vestiu uma peça de roupa sequer, sentou nu, frágil, na ponta da cama, segurando as tiras finas do calçado dela.
            Agnes tentou resistir, sabia que aquilo era manipulação, mas também sabia que acabaria cedendo mais cedo ou mais tarde, prática, resolveu que seria naquele momento então. Tirou as sandálias da mão dele e as colocou no chão, sentou-se ao seu lado e começou a falar. Narrou sua chegada à casa de shows, como foi chamada para se juntar a Cem, a pouca conversa que tiveram e a saída misteriosa do criminoso. Detalhista, ela mencionou também as alcunhas pelas quais alguns comparsas eram chamados.
            Segundo Murilo, Orelha era o braço direto do dono do morro, homem violento, com uma longa ficha criminal: agressão, assalto a mão armada e tráfico de drogas. Estava livre graças as manobras do advogado contratado para representar os meliantes da facção.
            Mas ele se interessou mesmo foi com o possível motivo para a saída de Cem. Lamentou que a namorada não tivesse ouvido nada, talvez o delinqüente estivesse envolvido na morte do policial encontrado naquela manhã.
            ___ Eu... eu vou te ajudar, Murilo. __ disse Agnes.
            Ele não disse nada, apenas a abraçou. Sabia o quanto ela o amava e o quanto estava sendo corajosa. Dependendo das informações que trouxesse, logo, logo tudo aquilo teria um fim.
            Agnes quase esquecera tudo o que havia passado no final de semana anterior. Murilo também não conversara mais com ela sobre isso, parecia que nada havia acontecido. Mas, como o tempo pode mudar de uma hora para outra, a situação dela também mudou.
            ___ Oi, amor, tudo bem? __ atendeu ela.
            ___ Amor, __ ele fez uma pausa longa do outro lado da linha__ hoje, hoje é sexta, vai ter um show naquela boate... __ suspirou forte __ Ele provavelmente estará lá.
            Ainda era meio dia, ela teria de trabalhar a tarde toda... Acabara repensando o que dissera a Murilo, sobre voltar a ter contato com traficante... Mas havia muito em jogo para ambos, e ela sabia o que deveria fazer.
            ___ Me encontre na minha casa. __ desligou o telefone sem se despedir.
            Olhou o relógio novamente, queria sair correndo da loja, queria fugir... queria... queria que a vida fosse diferente.
            Uma mulher muito bem vestida entrou, juntamente com duas amigas, felizes e sorridentes. Agnes imaginava que nenhuma delas seria obrigada a viver uma situação como a dela.
            Ironicamente, a compra que elas fizeram foi enorme, a comissão seria grande. Mais uma prova de quão distante a jovem estava daquele estilo de vida.
            Com um sorriso polido, a vendedora as acompanhou até a porta da loja.
            Murilo estava ansioso demais para ficar em casa esperando a chamada de Agnes, foi logo para a casa dela e esperou por quase uma hora, até ela chegar.
            A jovem não se surpreendeu ao vê-lo, mas, ainda assim, tinha esperanças de que o plano seria deixado de lado.
            ___ Oi. __ cumprimentou ela.
            Um beijo exploratório foi a resposta dele.
            Tomou um banho demorado, queria ter tempo para pensar.
            “Como foi que essa ideia surgiu?” __ se questionou __ “Em que momento da minha vida eu achei que conseguiria ter êxito nesse plano louco?”, “Até onde devo chegar?”. A essa última pergunta, provavelmente a mais importante, não tinha resposta.
            Já havia despertado o interesse do traficante e sabia disso. Não queria esbanjar sensualidade, seu plano era levar as coisas mais com calma, até para poder ganhar tempo e conseguir o máximo de informações possível.
            Escolheu um short de vinil preto colado com uma blusa branca pouco decotada, as sandálias de salto completavam o visual. De acessório, apenas um par de brincos grandes. Na bolsa, estavam o batom, o celular novo, um molho de chaves, que na verdade não serviam para as suas fechaduras, mas fazia parte da composição de sua personagem, dinheiro e nada mais.
            Murilo olhou-a da cabeça aos pés.
            ___ Você está esquecendo uma coisa? __ disse ele ao se levantar.
            ___ Não, acho que não. __ respondeu ela.
            Ele tirou da mochila um embrulho e deu a ela. Era um vidro pequeno, com um aroma delicioso e sensual.
            ___ Comprei esse perfume para você.__ disse ele __ Adoro o que você usa, mas quero que se distancie de tudo quando estiver lá, não quero que se lembre de nada da nossa vida naquele lugar.
            “Nossa vida?”, pensou. Sentimental, associou aquilo a uma referência do futuro que pretendia ter ao lado dele. Ficou feliz e até mais animada. Era apenas um meio para justificar os fins.
            Cuidadosos, mantiveram o mesmo esquema da primeira vez, ele a deixou a alguns quarteirões da entrada da comunidade e ela pegou um táxi.
            O lugar estava cheio, exatamente como na semana anterior, mas para decepção de Agnes, Cem não estava lá. Mas ela sabia que ele poderia chegar a qualquer hora. Puxou conversa com uma jovem, a menina não deveria ter mais de quinze, estava com roupas minúsculas e suas acompanhantes não pareciam ser mais velhas do que ela. As garotas se esforçavam para parecer experientes, riam alto e falavam de suas façanhas com os rapazes.
            A design só conseguia sentir pena delas, seus corpos, ainda em formação, estavam literalmente sendo maltratados pelo uso excessivo de bebidas, noites sem dormir e drogas. A cidade maravilhosa também tinha seu lado feio, triste e abandonado, não se restringia as belas praias e pontos turísticos.
            ___ Sabia que te veria de novo, gata. __ a voz era grossa, profunda, fez com que seu coração acelerasse.
            ___ Oi. Você falou para eu voltar... __ Agnes sorriu.
            ___ Vem comigo, tem uns parceiros ali que eu tenho que falar. __ segurou-a pelo braço.
            O camarote estava repleto, rostos que ela nunca havia visto antes, mas que procurava desesperadamente gravar as feições.
            Todos se abraçaram, confiantes da impunidade. Algo prateado chamou atenção dela, era um pistola, estava na cintura de Orelha. Percebendo a direção do olhar dela, ele a olhou de volta, mas não se deu ao trabalho de cobrir a arma, apenas a encarava, havia malícia e maldade no olhar dele.
            ___ Quem é a garota? __ perguntou um que tinha várias tatuagens nos dedos.
            ___ Ela veio aqui esses dias. __ respondeu ele __ Nós vamos nos conhecer melhor.
            Todos riram.
            ___ Meu nome é Agnes. __preferiu dar o nome verdadeiro, não queria se confundir.
            ___ Nome diferente, heim, morena. __ disse Cem __ Gostei.
            ___ Nome diferente, um rosto que nós nunca vimos aqui na favela. Estranho...__ Orelha era intimidador.
            ___ Relaxa, mano.__ interveio Cem __ Você tá muito nervoso. O baile vai rolar sem problemas, cara. Já paguei o arrego do homens, a polícia não vai invadir.
            ___ Cem, depois que largaram aquele corpo aqui na entrada, os caras estão de olho em nós. __ argumentou outro traficante, parecia ter no máximo uns vinte anos.
            ___ Eles vieram aqui, não vieram? E não encontraram nada. Nossas armas estão bem escondidas, levaram uns “de menor” e duas pistolas. Calma que quem fez isso vai pagar. Nossos negócios com o batalhão estão indo bem.
            Aquela era uma informação quente, Murilo iria adorar saber. Havia uma imensa corrupção na polícia, mas poucos casos eram investigados.
            Pediram várias bebidas, mas a maioria bebia whisky com energético, ela pegou para si apenas uma lata de cerveja, que não soltou em momento nenhum.
            Várias garotas foram convidadas para o camarote, uma delas era Mara, a mulher que oferecera cocaína para Agnes. Ao reconhecer a acompanhante de Cem, ela deu um gritinho de alegria e a abraçou com ternura.
            A música envolvia os sentidos, os corpos se mexiam quase incontrolavelmente, era um espetáculo ver todas aquelas mulheres dançando, e os homens se uniram a elas.
            Cansados, Agnes e Cem foram para um canto e tentaram manter uma conversa.
            ___ Você dança bem. __ disse ele.
            ___ Obrigada. Adoro dançar, me divertir... __ ela estava sem fôlego.
            ___ E o que uma gata como você procura? Quem sabe posso te ajudar. __ disse ele já se insinuando.
            ___ Não procuro nada. Só quero esquecer os problemas. __ foi sincera.
            ___ Problemas com o namorado? __ questionou ele.
            ___ Na verdade não, porque não tenho namorado.__ mentiu ela __ Só a vida mesmo. Trabalho, contas para pagar... essas coisas.
            Continuaram conversando. Agnes se surpreendeu positivamente com ele. Cem parecia ser uma pessoa inteligente, entendia de vários assuntos e viagens parecia ser o seu maior interesse.
            ___ Mas para mim é difícil sair da favela.__ disse ele__ Meu rosto está em tudo o que é lugar. Então procuro me cercar de tudo o que eu preciso. Minha casa é fantástica, montei uma academia, tem piscina e uma mesa de sinuca. E muitos quartos também.
            ___ Eu não duvido que deva ser maravilhosa, mas também imagino que muitas pessoas passem por lá, não é mesmo? __ perguntou ela.
            Aquela era uma gata diferente das que ele estava acostumado, parecia ser inteligente e ele queria ver onde aquilo iria chegar.
            Quando bem pequeno,  quisera ser bombeiro, mas a vida o aproximara de outro tipo de fogo. Na favela o achavam diferente, um homem imprevisível, e gostava de ser assim.
            ____ Princesas, __ disse o dono da favela __ tem umas carreiras disponíveis aqui para vocês, quem quiser pode se servir.
            Como abutres voando em cima da carcaça, algumas se aproximaram, inclusive Mara. Era assim que ele as via, eram todas descartáveis. Mas Agnes não se aproximou, o que o deixou intrigado.
            ___ Não quer? __ perguntou ele.
            ___ Não uso. __ respondeu ela __ Mas, por mim, tudo bem se você quiser usar.
            Ele apenas deu um sorriso amarelo e disse:
            ___ Não cheiro, nem fumo maconha.
            ___ Ah, sei... __ provocou Agnes.
            ___ É verdade. Não uso. Isso estraga a mente. Prefiro ficar focado, tenho quem experimente para saber se o produto é bom. __ concluiu ele.
            Ela queria saber mais, ficara intrigada, mas a colega a puxou para dançar.
            Já que estava ali e já tinha boas informações, pensou em se deixar levar um pouco.
            Dançaram a noite toda, entre uma cerveja e outra ele a observava, ela o enchia de tesão, mas depois resolveria isso, qualquer uma ali adoraria conhecer ou voltar a ver sua cama, não dormiria sozinho.
            Agnes notou a ausência de Mara, olhou por todo lado e não a viu. Achou que talvez ela estivesse no banheiro e foi verificar. Encontrou-a visivelmente drogada, mal conseguia ficar em pé, o que viu a seguir deixou-a horrorizada. Orelha estava segurando a moça contra a parede e estava prestes a abusar dela.
            ___ Mara, eu estava te procurando, amiga. __ disse Agnes.
            ___ Ela está bem, pode ir. __ disse Orelha.
            ___ Estou vendo que ela não está bem.__ argumentou__ É só olhar para ela!
            Irritado, Orelha a olhou nos olhos.
            ___ Olha aqui, não se meta onde não é chamada. Já disse que ela está bem.__ ele parecia bem irritado.
            ___ Eu não vou sair daqui. Não vou deixar você fazer nada com ela! __ Agnes sabia que corria risco, mas já era tarde demais.
            Ele puxou a arma, encostou no rosto dela. O contato frio do aço não era nada agradável, ela queria chorar, seus olhos ardiam com o enorme esforço que fazia para conter as lágrimas, suas pernas estavam trêmulas.
            ___ Que isso, Orelha?! Guarda o ferro. __ a voz de Cem estava alterada.
            Ainda demorou um segundo e mais uma olhada para que o capanga finalmente fizesse o que o outro mandara.
            ___ Ela veio se meter onde não era chamada. __ disse Orelha.
            Agnes não falou uma palavra sequer, apenas pegou Mara e se encaminhou de volta para o camarote. Pediu uma garrafa de água e tentou fazer com que a outra voltasse a si. Assim que viu sinais de melhora, contou o risco que acabara de correr.
            ___ Olha aqui, eu nem te conheço, mas sei que se você voltar aqui, as coisas não vão ficar muito boas para o seu lado. Suma daqui e não volte mais. Vou te colocar num táxi.
            Ela queria fugir, pegar outro táxi, mas acabou voltando.
            ___ Olha, Cem, quero te agradecer por me ajudar. Eu não sei o que me deu... __ disse trêmula.
            ___ Senta aqui, gata. O Orelha é um idiota, ele não ia fazer nada com você. Aqui ninguém faz nada sem uma ordem minha.
            De alguma maneira ela se sentia ligada ao traficante, devia a sua vida a ele.
            Ficou mais algum tempo e alegou cansaço, se despediu e foi embora. Algo dizia que não deveria ir direto para casa, poderia ser paranóia, mas pegou dois táxis.
            Dessa vez não queria encontrar Murilo, estava muito abalada com o que acontecera, apenas mandou uma mensagem de voz para ele e desligou os telefones, tanto o novo, como o antigo.
            Mas não dormiria muito. Murilo estava tocando a campainha. Estava tenso, queria saber mais detalhes.
            Paciente, ela contou a história diversas vezes. Ele não gostou de saber que Orelha a ameaçara.
            ___ Você está preocupado com o seu maldito plano?__ ela estava triste__ Mas e eu?
            Agnes não era treinada para o que estava fazendo, ele deveria ser mais comedido nas palavras. Tratou de acalmar a moça e pedir desculpa. Ele sabia ser gentil quando queria, ainda mais quando precisava.
            Nas semanas seguintes, ficou claro que Cem queria aprofundar a “amizade” com Agnes, mas ela não queria.
            ___ Amor, estamos tão perto. __ a voz de Murilo era macia __ Por favor, não podemos parar, as informações que você tem trazido são ótimas. Enrole ele mais um pouco, se... se não der... pense em mim, em nós... na hora. Amor, não foi você quem disse que ele é um cara razoável? Então, isso é um bom sinal. Vocês... vocês devem ter alguma afinidade...
            Aquele não poderia ser o homem com quem queria se casar, ter filhos... uma vida. Provavelmente aquele homem só existia na sua cabeça, ela o construíra com o amor de uma mulher carente. Jamais havia sido amada, estavam no limiar, parados no tempo, vivendo a sombra dos primeiros meses de namoro, quando realmente foram felizes. Nojo, ela estava com nojo dele.
            ___ Tudo bem, eu vou. __ disse,  enquanto o olhava sentado na cama.
            ___ Eu te amo. __ disse Murilo, beijando o pescoço dela.
            Agnes pediu que ele fosse embora de sua casa, disse que faria o trajeto sozinha, queria se concentrar.
            Suas mãos tremiam, não havia mais esperança nem para ela nem para Murilo.
            Era outra pessoa quando desceu do táxi. Os seguranças já a conheciam, foi direto para o camarote. Ele estava lá, dançava com uma mulher tão ou mais bonita do que ela. Aproximou-se devagar, dançou um pouco sozinha, até que ele a visse e a chamasse, deixando a outra mulher de lado.
            ___ Hoje você está diferente. __ disse ele.
            ___ Eu? Talvez você esteja diferente. __ inverteu ela.
            Agnes aproximou-se mais ainda, não havia outro jeito de respirar que não fosse o hálito um do outro. Os corpos se esfregando, as mãos se tocando, as línguas se enroscando, perdidos na saliva um do outro, ficaram sem fôlego.
            ___ Você é muito gostosa. __ disse ele.
            ___ Eu quero dançar, me divertir. __ desconversou ela.
            Dançaram, se beijaram, beberam, se divertiram até que fosse insuportável demais ter a companhia de outras pessoas.
            A porta bateu com força na parede, os amantes não se preocuparam em fechá-la, foram direto para o quarto.
            Agnes não olhou em volta para saber como era, estava consumida por uma febre que corroia toda a sua percepção, não havia o que ver ou se lembrar.
            De pé, precariamente vestidos, ele pressionou-a contra a parede, segurou o rosto dela com as duas mãos, até que sua boca estivesse entreaberta, para receber um beijo explorador. Virou-a para abrir o nó da pequena blusa que ela usava, mas, mudou de ideia, levantou a saia, como se fosse apenas uma cortina, que impedia de deixar o sol entrar, e tirou sua calcinha enquanto respirava forte. Não sabia bem como lidar com aquela mulher, ela era diferente, tinha algo estranho nela, mas não havia muito que pensar naquela hora, queria sentir tudo o que aquele corpo poderia oferecer, e assim o fez.
            Sôfrega, Agnes deitou-se, como viera ao mundo, estava entregue a toda a loucura que estava por vir. Kayque sentia que ela se contorcia embaixo dele, mas queria uma entrega total.
            Ela o apertava forte, escorregava suas pernas sob suas nádegas, mas tinha suas mãos atadas pelas dele, de maneira que sentia-o apenas pela ponta da língua, gotas de suor salgadas e cheiro de prazer.
            ___ Deliciosa. __ a voz dele estava rouca.
            Agnes apenas gemia, quando o sentiu dentro de si. Sensual, provocante, entrava e saía, fazendo-a quase implorar por mais. Estava completamente úmida, o que dava ainda mais vontade a ele de continuar. Com uma das pernas dela sob seus ombros e a outra embaixo de si, ele tinha a oportunidade de segurar os seios fartos e ainda tocá-la, excitando-a ainda mais. Ambos se movimentavam rapidamente quando chegaram ao êxtase, gritaram e sentiram seus corações batendo desesperadamente.
            Não disseram uma palavra, nem se beijaram, apenas ficaram ali, parados, quietos, respirando juntos, até que adormeceram.
            Antes que o sol nascesse por completo, Agnes se levantou, andou por toda a casa e viu como o dinheiro do tráfico de drogas custeava o luxo em que aquele homem vivia, mas sabia que seria arriscado ficar mexendo nas coisas, portanto, se limitou a olhar. Imaginava que em algum lugar ali deveria haver algum tipo de caderno ou livro contábil, mas deixaria para procurar isso outro dia. Voltou para o quarto e se deitou, muito embora soubesse que não conseguiria conciliar o sono.
            Pouco depois Kayque acordou, levantou nu e foi até o banheiro. Ela pegou suas roupas e a bolsa, quando ele saiu, Agnes já estava pronta.
            ___ Antes de você ir, __ disse ele__ me dá o seu celular.
            Murilo tivera uma ótima ideia ao propor que ela tivesse um novo aparelho, repleto de contatos falsos, de alguma maneira previra um momento como aquele.
            O bandido mexeu por algum tempo e finalmente devolveu celular para ela.
            ___ Gata, coloquei aí o meu contato e peguei o seu, assim, quando estiver com vontade de me ver, é só me ligar. __ disse sorrindo.
            Despediram-se com um beijo breve.
            Antes de pegar o segundo táxi, Agnes ficou parada na rua por um tempo, queria ter certeza absoluta de que não estava sendo seguida, não era profissional, mas para o seu bem, tentaria ser.
            Já em casa, não ligou para Murilo, nem correu para tomar banho, os pensamentos eram impertinentes e lhe traziam memórias da noite anterior, admitia para si mesma que estava louca de desejo por aquele momento, já não era completamente inocente naquele jogo de vida ou morte. Com um sorriso brincalhão nos lábios, se enroscou em seu travesseiro e acabou cochilando.
            Existem batalhas imperiosas, que não dão tempo ao corpo para descansar... Essa era uma grande luta para Murilo e ele tinha necessidade de respostas. Foi à casa de Agnes.
            Demorou para que ela atendesse a porta e, ao fazê-lo, ainda estava com as roupas do dia anterior.
            ___ Oi, amor, tudo bem? __ disse ele buscando esconder sua ansiedade.
            Ela apenas sinalizou que sim com a cabeça. Agora que havia dormido com Kayque, não sabia bem como ficariam as coisas entre ela e Murilo.
            Conversaram banalidades por algum tempo. Ela fez um café e se sentaram na minúscula cozinha.
            ___ Liguei para você ontem. __ disse o policial.
            ___ Ah... __ foi a única palavra dela
            ___ Chegou tarde? __ inquiriu ele.
            ___ Cheguei hoje. __ respondeu, cortante.
            Ficaram em silêncio, pensavam em várias coisas para falar, mas mantinham-se calados.
            ___ Lembra daquele policial morto em serviço mês passado? __ perguntou Murilo.
            ___ A família dele e de outros policiais farão um ato contra a violência amanhã. __ disse, sem esperar a resposta dela.
            Aquele era um lembrete.
            Sem forças, ela contou, sem detalhes, como fora a noite anterior. Achou que o namorado explodiria, ficaria enciumado, mas ele a surpreendeu com um pedido:
            ___ Desculpa, Agnes, me desculpa.__ sussurrou.
            Um sussurro que quase parecia um uivo, o choro de um animal que sentia que a dor iria aumentar.
            Tudo, para ela, parecia estar fora do lugar, a própria Agnes não sabia mais qual a sua função, missão, ou o que quer que fosse no mundo.
            Ele a abraçou longamente e ela correspondeu ao abraço. Quanta confusão!Mas aquela era a sua vida real, por mais que não parecesse, era a sua vida.
            Não transaram, mas passaram o sábado juntos e, no domingo, passearam na praia. Murilo correu atrás dela na areia, mergulharam juntos no mar.
            ___ Nossa, amor __ era a primeira vez que ela o chamava assim __ parece o nosso primeiro ano de namoro!
            ___ Não quero que você vá lá na sexta. __ disse Murilo durante o almoço.
            ___ Jura? __ ela parecia encantada.
            ___ Estarei de folga, podemos ir ao cinema.__ emendou ele.
            A resposta ao convite foi um beijo, aquilo poderia ser um recomeço, esqueceriam tudo e viveriam plenamente.
            Como num piscar de olhos, a semana passou, foram ao cinema na sexta e saíram para jantar depois. De mãos dadas chegaram a casa dele e, como já conhecia tudo ali, ela foi pegar água na cozinha. Estava entretida, rindo do namorado, que não tinha nada na geladeira, com exceção de água e algumas frutas, quando o ouviu falando baixinho no telefone.
            ___ Parceiro, eu tenho um plano genial, vou acabar com o Cem e toda a corja dele.
            Ela não quis fingir que não ouvira a conversa, pelo contrário, continuou de pé, atrás dele, até que Murilo se virou e a viu. Despediu-se de quem quer que fosse dizendo que depois se falariam.
            ___ Um plano genial? É isso mesmo o que eu ouvi? __ ela estava com raiva.
            ___ Agnes... olha... eu sei que foi difícil para você transar com aquele cara. Eu mesmo fiquei me sentindo péssimo com o que te fiz fazer, por isso não quis que você voltasse lá na sexta, mas... mas a verdade é que eu preciso muito de uma informação quente. Se tiver alguma coisa que eu possa mostrar para o meu chefe, isso tudo acaba. Não me entenda mal, mas em momento algum eu disse que o plano estava acabado. Se você desistir agora, tudo vai ter sido em vão. __ disse ele.
            Para infelicidade dela, ele estava sendo sincero, Murilo não pusera fim ao plano perigoso. Sentia-se miserável e frustrada. Kayque era um criminoso, mas ela não era melhor do que ele.
            ___ Eu vou para casa. __ disse ela em voz baixa.
            ___ Posso te levar? __ perguntou ele.
            ___ Não. Olha, eu só vou me reestruturar, pensar um pouco em como agir daqui para frente. Não se preocupe, mais tarde eu te ligo. __ prometeu Agnes.
            Já em casa, num impulso, mandou mensagem para o traficante, disse apenas “Oi”. Ele respondeu com outro “Oi”. A partir daí, conversaram todos os dias pelo celular. Surpreendentemente, ele era um homem com alguma cultura, escrevia bem, conhecia várias músicas, algumas que ela jamais ouvira antes e era amante de filmes.
            Segundo ele, a mãe ouvia muitas músicas daquela quando era criança, fizera questão de que o filho tivesse uma boa formação. Embora o pai não tenha feito parte da criação do menino, ela o colocara para estudar em uma escola particular do bairro, acreditara que ele seria um homem de bem. Mas ele era fascinado pelo poder, por armas, pelo dinheiro. Quando surgiu a oportunidade, ainda na adolescência, de entrar para a criminalidade, ele a agarrou como uma tábua de salvação, havia algo escuro dentro dele. Afastou-se de todos que amava porque sabia que seriam alvos fáceis nas mãos de seus inimigos. Sua família seria formada pelos seus “comandados”.
            Alguns escolhiam esse destino por achá-lo mais fácil, teriam dinheiro rápido e proveriam a si e a família. Mas, havia ainda um outro perfil de criminosos, os que simplesmente herdaram a vida do crime. O pai, ou até mesmo um membro da família, pertencia a alguma facção e era esperado, desde criança, que se seguisse o mesmo rumo.  
            Agnes acreditava que essas informações ajudavam a traçar um perfil de Cem, mas manteve as conversas em segredo, não passou para o namorado, provavelmente ele não veria isso da mesma maneira que ela.       
            Kayque queria vê-la imediatamente, mas para ela seria complicado, teria que acordar muito cedo para ir trabalhar. Sincera, explicou isso a ele, que aparentemente, entendeu.
            Todos os dias mandavam mensagens um para o outro, desejando ou um bom dia, ou boa noite. Às vezes, ele entrava em contato no meio do dia, dizendo apenas que passou para dar um “alô”.
            Murilo estava ciente do erro que cometera, sabia da fragilidade da situação e resolveu dar um tempo para Agnes. Começara a pensar nas consequências da operação não autorizada, acabaria perdendo tudo, a namorada, a promoção e a confiança de seus superiores. Tornou-se um homem atormentado pelo arrependimento. Mas o amigo, João, com quem compartilhara seus planos não pensava assim, aquela era uma favela com grande poder bélico, muitos policiais morriam quando tentavam invadir o local. Eles haviam entrado para a Polícia Militar juntos e sonhavam em chegar a um alto escalão.
            Sem consultar Murilo, João contou ao supervisor sobre o plano, mas não revelou quem era a isca. Após uma reunião a portas fechadas, veio a ordem de seguir com a operação.
            Murilo ficou irritado com o amigo, mas sabia que não conseguiria manter aquele segredo por muito tempo. Agora não havia mais como voltar atrás, Agnes deveria ser persuadida a continuar.
            ___ Oi, linda. __ era ele, Murilo.
            ___ Oi, estou no trabalho agora, não vai dar para falar muito. __ disse fria.
            ___ Posso passar na sua casa na sexta para conversarmos? __ perguntou ele.
            ___ Sexta eu vou ao aniversário de uma amiga, devo chegar tarde. __ respondeu ela.
            Depois de anos de namoro e acostumado a lidar com vários tipos de pessoas, Murilo desconfiava que ela estivesse mentindo, mas não insistiria.
            Na cabeça de Agnes ela teria só mais um encontro com Kayque, revistaria sua casa e conseguiria algo que pudesse ajudá-la a sair daquela situação, por isso mentira. Na sexta ela iria para a favela.
            Já havia um homem de moto esperando por ela.
            ___ Vamos dar uma volta pela comunidade. __ convidou Cem.
            Acompanhou-o.
            Muitos moradores o cumprimentaram, outros apenas desviavam o olhar, mas ele não se importava com isso, estava animado falando sobre como a vida ali era mais livre do que no “asfalto”.
            Na verdade o que ele a estava exibindo, queria que os moradores conhecessem sua nova conquista. Ela não era dali, mas depois do pequeno passeio, seria como se morasse no lugar desde criança. Já na casa dele, beberam uma cerveja e conversaram um pouco.
            Os primeiro beijo da noite foi um pouco tímido, Agnes já não era mais uma mulher como outra qualquer, provara ter um diferencial. Os outros foram mais intensos. Dessa vez não foram para o quarto, ficaram no amplo sofá.
            Não havia mais nada o que provar para o outro, a combinação era perfeita, queriam apenas desfrutar novamente do prazer que tiveram anteriormente.
            Kayque fez com que ela ficasse de frente para ele, queria olhar nos olhos da jovem enquanto era engolido por ela. O ritmo era lento, marcado, cheio de suspiros e gemidos. Com o rosto entre os seios dela e as mãos ocupadas em acariciá-los, ele estava entregue ao desejo.
            Certa de que aquela era uma grande loucura e alucinada pelas fortes sensações, ela o controlava por meio de movimentos circulares. Com força Kayque a puxava para baixo e ela o repreendia levemente, tirando as mãos dele de seus ombros. Ainda havia muito a ser feito. Finalmente deitaram, ele por baixo e com as pernas fechadas e Agnes sentada, inclinada para trás, se equilibrando sobre as mãos, deixando-o livre para acariciar-lhe o clitóris.
            Ela gritou alto quando veio o gozo, todo seu corpo tremia e se contraía com força. O estímulo promovido pela vagina dela fez com que ele não se contivesse mais, apertou-a forte e gozou também.
            ___ Você é incrível, sabia? __ disse ele.
            ___ Não, não sou mesmo. __ respondeu ela.
            Kayque se levantou, puxou-a para si e a beijou, foram para o quarto, estavam exaustos, deitaram na cama e dormiram.
            Ela se esgueirou para o lado da cama assim que teve certeza de que seu parceiro estava num sono profundo, foi até a sala e começou, meticulosamente, a abrir as gavetas, livros, qualquer coisa que tivesse anotações.
            Estava entretida quando ouviu um som baixo, vindo de trás de si, virou imediatamente e se deparou com Orelha.
            Havia um ódio imenso em seus olhos. Ele a olhou toda, de cima abaixo: os seios volumosos, a cintura fina, os pelos pubianos curtos e negros, as coxas redondas e convidativas.
            ___ Sua vadia! __ disse ele __ Eu sabia que tinha alguma coisa errada com você! Você é uma X-9, está aqui para espionar o Cem. Mas quem fala muito amanhece com a boca cheia de formiga.
            Não passou pela cabeça de Agnes procurar algo para se cobrir, estranhamente ela se lembrou de quando era criança e foi flagrada mexendo nas coisas da mãe. Sua mente viajou por essa época, era tão livre, tão feliz...
            ___ Você não vai falar nada? __ perguntou Orelha.
            Com o cérebro funcionando a pleno vapor, ela respondeu:
            ___ Não, eu não tenho nada para te falar.
            ___ Sua vadia, __ disse o homem, enquanto se aproximava __ é claro que você tem que falar alguma coisa.
            Ele se aproximou e a segurou pelo braço. Emanavam dele sentimentos confusos, como raiva e desejo. Orelha se aproximou dela a ponto de quase encostar em seu rosto:
            ___ Você é uma safada. __ ele inalava fortemente o ar __ E eu vou provar!
            Agnes viu a excitação dele e resolveu aproveitar isso em sua defesa.
            ___ Vou chamar o Kayque e assim resolveremos isso. __ falou enquanto olhava para baixo, mostrando que estava ciente do estado em que ele estava.
            Humilhado,  bateu em retirada.
            Ela sabia que ele a vigiaria de perto e tomou uma decisão. Pela manhã, quando Kayque acordou, contou a ele sobre o episódio ocorrido na sala, não omitiu nada, nem o fato de estar sem roupa, nem sua procura.
            ___ O que você estava procurando? __ perguntou ele.
            ___ Vai parecer ridículo, mas eu queria uma revista, um livro, qualquer coisa para ler. Você estava dormindo, tive insônia, não queria te incomodar ligando a televisão. __ respondeu ela de forma lenta e controlada __ Jamais eu iria imaginar que aquele homem ia entrar porta adentro e me ameaçar daquele jeito.
            Cem ficou em silêncio. Agnes sabia que ele tinha uma arma embaixo da cama, sua vida estava em perigo e ela mesma provocara aquela situação com o seu descuido. Estava ciente de que nada o faria parar, ele acabaria conseguindo todas as informações que queria.
            A maneira como se respira demonstra os sentimentos, pensando assim, buscou respirar de forma lenta e profunda, cuidando para que nada transparecesse em seu rosto.
            ___ Realmente parece ridículo...__ disse ele __ Não sei se acredito em você.
            ___ Bom, isso é um direito seu: desconfiar. __ disse ela com voz baixa __ Lido com a suspeita do seu pessoal desde que eu cheguei aqui. No seu lugar eu não pensaria diferente, confesso. Mas uma coisa eu te digo, seu parceiro não sente só ódio por mim, eu sei o que eu vi, e sei também o que está por vir... Não sou burra Kayque, não viria aqui para te espionar, correndo o risco de morrer. O que eu ganharia com isso? Qual a vantagem de ser mulher de traficante? Tenho a minha casa, o meu trabalho! Eu nunca quis isso para mim, mas aconteceu, fazer o quê? __ olhando-o diretamente nos olhos, ela viu que ainda havia muita desconfiança __ Me responde uma coisa: se eu fosse realmente culpada de alguma coisa, por que eu te contaria o que aconteceu?
            Agnes sabia que havia criado uma dúvida razoável, havia chances de viver e de morrer também. Não podia contar com o bom senso de um criminoso, mas contava com a sua própria determinação em se manter viva.
            Ele já estivera de frente para a morte por diversas vezes e sabia qual era a sensação, podia sentir o medo dela, mas não um medo irracional, ela estava calma, era apenas um medo compreensível.
            ___ Eu sou um homem procurado, não posso dizer que tenho muitos amigos, minha família é o meu pessoal. Somos todos muito desconfiados, de tudo e de todos. __ disse ele.
            O que significava aquilo? Agnes havia conseguido convencê-lo de que falara a verdade? Tinha receio de pensar que sim e estar errada.
            ___ Nunca conheci uma mulher que gostasse de ler, as meninas geralmente vêm para cá procurando outras coisas... Resumindo, não tenho livros, nem revistas em casa. __ ele parecia estar se desculpando. __ Também não sou do tipo que gosta de ler, eu fazia isso antes, mas para fazer trabalhos na escola.
            ___ Tudo bem. __ disse ela, da mesma forma calma que antes __ Eu também não deveria ter mexido nas suas coisas.
            De acordo com  Einstein, há duas formas de se viver a vida: uma é acreditando que não existe milagre, e a outra é acreditando que todas as coisas são um milagre. Daquele dia em diante, Agnes acreditaria que toda a sua vida era um prodígio.
            Ela foi em direção a bolsa, pretendia ir embora enquanto era tempo.
            ___ Onde você pensa que vai? __ perguntou ele.
            ___ Para casa. __ respondeu ela, de costas para ele.
            ___ Fique aqui mais um pouco. Não quero que vá. __ pediu ele.
            Ela se deixou ficar, tanto naquele dia, como no seguinte. Voltou tarde da noite de domingo. Mal entrara em casa, quando ouviu o barulho da campainha.
            ___ Foi boa a festa da sua amiga? __ era Murilo quem perguntara.
            Ela ficou sem reação, já tivera emoções demais.
            ___ Eu... eu não esperava você aqui. __ disse fraca.
            ___ Estive aqui na sexta, ontem... e quando não vi nenhum movimento, percebi que você não havia voltado para casa. Seu telefone estava desligado. __ disse ele furioso.
            ___ Fala baixo, está tarde. __ pediu ela.
            ___ Você mentiu para mim! Você mentiu para mim! Esteve lá todos esses dias e não me contou nada! __ disse ele aumentando ainda mais a voz __ Dormiu com ele, não foi? Fala! Fala!__ segurou o rosto dela com força.
            ___ Sim, Murilo, eu dormi com ele! __ desabafou ela __ Mas eu não sou a única mentirosa aqui, você também me enganou, você também mentiu!
            ___ Não era para você ter ido lá sem a minha permissão. Era para eu saber!__ ele continuava fora de si __ Quantas vezes vocês transaram? Uma, duas? O que foi que aconteceu? Agnes, me conta ou eu vou enlouquecer.
            ___ Para de me torturar com o seu ciúme! __ pediu ela __ Para!
            Ele a abraçou, beijou desesperadamente seu pescoço, buscou a boca, mas não a encontrou porque a jovem virou o rosto. Abraçou-a mais fortemente, queria que ela fosse sua de qualquer maneira, não podia perdê-la.
            ___ Chega, Murilo, me solta. __ foi enérgica ao se desvencilhar dele.
            Ambos ficaram ofegantes com aquela quase luta.
            ___ Vá para casa... Vamos conversar, mas não agora. __ disse ela.
            Alguns dias depois ela ligou para Murilo, marcaram de se encontrar perto do trabalho dela. Ele não levou flores, estava sério, parecia ter passado a noite em claro. Ela, por sua vez, também pensara muito em tudo o que estava vivendo. Concluiu que estava confundindo as coisas, Kayque era um bandido, um criminoso, a escória da sociedade. Havia visto apenas um lado dele quando estavam juntos, mas ele possuía muitos outros e não eram nada bons.
            A conversa dessa vez transcorreu mais tranquila, Murilo parecia estar sendo sincero quando disse que estava triste. Contou a ela que seus superiores já estavam sabendo do plano e deram aprovação para seguir em frente; aproveitou o momento para reiterar sua vontade de oficializar a relação no final de tudo aquilo, fosse a missão bem sucedida ou não.
            Ainda com sentimentos conflitantes, Agnes aceitou ir para à casa do namorado. Pediu que ele parasse no meio do caminho para comprar seu vinho favorito, queria se reconectar com o futuro marido e quem sabe reacender o sentimento que tinham um pelo outro. 
            ___ Brindaremos a que? __ perguntou ela.
            ___ A um recomeço. __ respondeu ele
            Não ficaram só na primeira garrafa, quando já estavam no meio da segunda, foram para o quarto. Não se tocaram, nem se beijaram, apenas tiraram as roupas em silêncio e se olharam. Várias perguntas estavam no ar, como: “Será que ainda nos encaixamos?”, “Será que ainda seremos felizes?”, “Existe saída para nós?”.
            Uma cadeira, esquecida ali por algum motivo qualquer, serviu para que se sentasse, apenas para apreciá-la, para olhar aquela mulher incrível que por tantas vezes fora negligenciada, traída e deixada de lado por ele.
            Agnes se aproximou e beijou-o de leve, havia tanta tristeza nos olhos dela que Murilo não sustentou aquele olhar, ela não era mais a mulher que se entregara para ele pela primeira vez há anos.
            Ainda de pé, ela passou levemente as mãos no rosto dele, depois nos cabelos e por fim, parou na nuca.
            O cheiro dela era tão bom, tão sutil, que ele esfregou o rosto em sua vagina, estava lisa como um pêssego. Não se contentou apenas em encostar nela, precisou passar a língua, os dedos e novamente o rosto, enquanto ela gemia baixinho.
            Mesmo estando muito excitado como estava, foi delicado, puxou-a, de modo que ela se sentasse sobre ele. Ela estava tão úmida e apertada que quase não conseguiu segurar a ejaculação. Ela se mexia de frente para trás, e ele acariciava seus seios, beijava, mordiscava, já não sabia mais o que estava fazendo.
            Ela se levantou e tornou a se sentar, mas de costas para ele, ainda com movimentos lentos, calmos, enquanto ele tocava seu clitóris. Dessa vez Agnes gemeu mais alto.
            Ela estava tão entregue ao próprio prazer que ele queria ver seu rosto, queria olhar todo ele se contorcendo. Fez ela se levantar e a levou para cama.
            Ambos estimulavam a si mesmos nesse momento, nunca houvera pudores entre eles, ocasionalmente estimulavam o outro, mas, antes que gozassem, ele a penetrou profundamente, com força, mas sem machucar, várias vezes, até sentir seu membro sendo apertado, mastigado por ela. Gozou.
            A sensação era diferente de tudo o que haviam sentido antes, mas nada que pudesse apagar a grande mancha que estava crescendo no relacionamento deles, sabiam que não haveria mais futuro para os dois, eram um barco a deriva, criador e criatura, imersos no mar de desespero que criaram para si mesmos.
            As engrenagens deveriam continuar funcionando, Agnes continuava a manter contato pelo telefone com Cem, mas inconscientemente estava distante e isso não passou despercebido por ele.
            Marcaram de se encontrar na sexta, mas dessa vez o encontro foi na casa de shows onde se conheceram.
            Ele a viu de longe, mas não se aproximou como de costume. Ela estava estranha, o que acendeu nele velhas desconfianças.
            Agnes comprou uma garrafa de água e se dirigiu para o camarote em que ele sempre ficava, mas o segurança não a deixou passar.
            ___ Olha, eu vim para falar com o Kayque. __ explicou ela.
            ___ Vai ter que esperar aqui. __ disse o rapaz __ Foi ele que mandou.
            Isso era novidade para ela, o que logo a fez ficar alerta.
            ___ Sem problemas. __ disse __ Estarei lá embaixo.
            A fim de se descontrair, ela dançou bastante, até quase não sentir as pernas.
            ___ Por que não esperou lá em cima? __ era a voz dele.
            ___ Por que não me deixou entrar? __ perguntou ela.
            ___ Você está toda esquisita, não responde as minhas mensagens e quando responde não fala quase nada. __ disse ele.
            Aquela seria uma conversa longa e Agnes não achava que ali seria o melhor lugar para isso. No alto da comunidade havia uma espécie de mirante que dava para ver toda a cidade, foram para lá.
            ___ Kayque, estou passando por alguns problemas. __ foi verdadeira __ Não sei como lidar com você, não sei o que nós temos. Quanto tempo isso vai durar? O que faremos no futuro?
            ___ Agnes, __ ele nunca a chamara pelo nome __ eu sou um homem todo errado, e um dia vou pagar o preço por isso, seja na cadeia, morto pela polícia ou por outros bandidos. Minha vida é essa... a minha vida, não a sua, eu sei. Mas, ninguém sabe quanto tempo tem pela frente, ninguém conhece o futuro, as pessoas vão vivendo. Quanto tempo nós vamos passar juntos? Eu não sei. Você já teve outros relacionamentos e também não sabia quanto tempo ia durar. Eu não tenho nada para te oferecer, mas sou sincero quando eu digo que gosto de você, gosto de tudo em você e não estou te enganando, como já devem ter feito na tua vida.
            Aquele homem estava sendo honesto com ela. De repente, todo o plano tão bem elaborado, de cumprir a missão e não se envolver com ele foi por água abaixo, ela o beijou com ternura, ficaram abraçados e voltaram para a casa noturna.
            Não vasculhou a casa dele naquele final de semana, seria arriscado demais. Na manhã seguinte, bem cedo, começou uma movimentação diferente na casa de Kayque. Orelha e alguns outros que ela já conhecia esperaram que Cem se vestisse para conversarem. Discreta, ela ficou no quarto, mas tentando ouvir cada palavra.
            ___ Cem, as armas não vão mais poder ficar onde estão, os homens vão acabar descobrindo, semana passada eles apreenderam um fuzil e uma pistola com os garotos lá de baixo. Já mandaram avisar que a fronteira está muito vigiada, não estão conseguindo mandar nada nem do Paraguai, nem da Argentina, os garotos não podem tirar mais nenhuma arma do quartel. Estão de olho na gente. Subir a comunidade vai ser difícil, temos vários moradores do nosso lado, mas também temos muitos que são X-9 da polícia.
            Ficaram em silêncio, a situação era grave.
            ___ Tem uma casa lá perto do mirante, ela está vazia. D. Maria morava lá, mas ficou muito ruim para ela subir todo dia, pegamos uma mais embaixo para ela.
            Agnes entendeu por “pegar” que algum morador foi expulso da própria casa para que eles pudessem exercer esse falso paternalismo.
            ___ Não concordo, __ disse Cem __ é muito longe para pegar se surgir alguma emergência.
            Acabaram se decidindo por uma casa bem no meio do morro, tinha uma mangueira no quintal, ela não sabia onde ficava, mas tentaria descobrir. Eles cavariam o chão e enterrariam tonéis de óleo diesel vazios  para guardar as armas ali dentro.
            Enfim uma informação importante.
            Quando a “reunião” acabou, Agnes correu pra o banheiro, queria dar a impressão de que estava tomando banho e não ouvira a conversa. Kayque juntou-se a ela no chuveiro, já chegou enlaçando ela pela cintura, Agnes segurou a mão dele e a levou para baixo. O box, todo envidraçado, era grande o suficiente para que os dois ficassem confortáveis.
            Ele começou beijando as costas dela, de cima até embaixo, sem se deixar de acariciá-la, depois subiu beijando o ventre, os seios e pescoço e os lábios. Agnes entendeu a deixa e começou pelo pescoço, lambeu os mamilos, tocou com a língua a barriga musculosa, brincou com os pelos da virilha até que olhou para cima e o viu com os olhos fechados, na expectativa. Ela abriu a boca, de modo a captar um pouco da água que saía do chuveiro, encheu-a parcialmente, esquentou-a com o seu hálito. Foi delicada, a princípio sugou apenas a glande para dentro de si, depois todo o membro, tomando cuidado para mão machucar.
            Depois fez o mesmo caminho de volta, até os lábios dele. Kayque a encostou na parede, levantou uma de suas pernas e entrou nela, rápido, frenético. Os seios dela esmagados contra os dele eram macios, a barba lhe arranhara o rosto, mas ela não se importava, cada vez que ele a penetrava era mais um gemido que ela dava, chegaram ao clímax quase ao mesmo tempo.
            Em sua cabeça, Agnes pensava que o homem que a amara era apenas Kayque, um homem que não chegara a viver plenamente. Cem, era para os outros... Cem era o homem capaz de uma série de coisas que ela não queria saber. Estava se iludindo, ambos conviviam muito bem, dentro de um só.
            Mas o amor só enxerga o que quer, ainda mais quando é parcial. Ela estava dividida, entre dois grandes amantes, entre dois pequenos-grandes homens, cada um, a sua maneira, a levara a extremos, a lugares que ela não conhecia, mas que sabia, seriam fatais.
            Concentrou-se apenas em sua respiração, todo o seu corpo parecia estar voltado para isso: respirar, sorver ainda o ar carregado do cheiro de sexo, de inconseqüência, de paixão... de desterro.
            Dormiu. Um sono pesado, não percebeu quando seus corpos se afastaram, ou ainda, quando ele saiu da cama e a olhou com preocupação.
            O destino dele até poderia ter sido escrito em algum lugar, mas Kayque tinha uma grande parcela de responsabilidade no que fizera, sempre achara que sua jornada seria curta, até mesmo sonhara com aquilo, se via como uma espécie de estrela, um astro celeste, alguém que manteria sua luz mesmo depois de morrer.
            Mas aquela garota “da pista” era diferente, ela não sabia bem como funcionava a favela, os moradores, o comando, ela não sabia no que estava se metendo e ele não teria como protegê-la. Mantê-la por perto era egoísmo puro, mas não suportaria imaginar que ela pudesse estar longe dele. Era fraqueza, era fraco então.
            Quando voltou para casa, Agnes não ligou para Murilo, queria pensar mais um pouco antes de tomar essa atitude. Racionalizou por quase uma semana antes de finalmente passar a informação.
            Imediatamente o comandante foi avisado sobre a localização do paiol, poderiam sobrevoar a favela com um drone e mapear melhor a área.
            A mensagem dizia apenas o quanto Murilo estava agradecido, nada mais, não pedira para vê-la ou dizia que ia ligar.
            A secura daquilo a incomodou, não tinha mais tanta certeza de que não gostava mais do policial. A vida dela se tornara um imenso pântano, era enganosa. Quando sentia que a terra era razoavelmente firme e que podia pisar, se sentia segura, mas no passo seguinte ela se tornava instável. Suas emoções estavam fora de controle e isso a perturbava.
            ___ Não quero lidar com isso agora. __ disse Agnes em voz alta.
            ___ O que foi, amiga? __ perguntou Carolina, a outra vendedora da loja.
            ___ Carol, minha vida está tão confusa, que nem vale a pena falar sobre isso. __ respondeu a jovem.
            ___ Falar ajuda bastante. __ insistiu a amiga.
            ___ Estou dividida entre duas pessoas, quando acho que gosto de um, porque temos um passado, descubro que ele não é quem eu pensava, quando eu gosto de outro, penso que não é a pessoa ideal, que não tem futuro. __ resumiu o mais que pôde.
            ___ Agnes, acho que os dois estão no mesmo nível. Talvez você deva se afastar de ambos.__ concluiu Carolina.
            ___ É..., mas existem certas situações que não podemos sair facilmente, não sem grandes perdas. __ disse e encerrou a conversa.
            Se deixando levar pela correnteza, ela foi para a casa de Kayque. Ele a recebeu, mas disse que estava de saída, pediu que ela esperasse ali.
            Ela esperou por um bom tempo, até ter certeza de que ele já estava longe e começou a procurar por anotações, uma caderneta, qualquer coisa que considerasse importante. Olhou na cozinha, na sala, nos quartos e até mesmo no banheiro e não encontrou nada. Desolada, foi para o terraço, a noite estava quente, mas havia uma leve brisa.
            Ficou imaginando o quão luxuosa era a vida que ele levava, tudo era lindo naquela mansão, o que contrastava terrivelmente com o resto da comunidade. As casas eram simples, muitas não tinham acabamento, várias sequer eram embolsadas por fora. As pessoas levavam uma vida dura, conviviam com o medo, a qualquer momento poderia ter tiroteio, até mesmo quando levavam suas crianças para a escola.
            Mas também tinham momentos de alegria, eram pessoas muito amigas, trabalhadoras, ajudavam umas as outras na hora da necessidade, eram festeiros e gostavam de sorrir. Elas eram totalmente diferentes das clientes que Agnes via na loja, com seus corpos esculpidos por bisturis e narizes empinados.
            Olhando novamente para aquele suntuoso terraço, que contava com piscina e uma moderna churrasqueira de parede, algo chamou sua atenção: o carvão que estava ali dentro era novo, não havia sido usado e ninguém faria isso, a umidade poderia fazer com que o mineral estragasse.
            Agnes foi até lá e revolveu um pouco as pequenas toras e o que viu deixou suas mãos trêmulas: ali estava um caderno de capa dura, sabia que era a contabilidade do tráfico, a prova que Murilo precisava, finalmente o final de sua jornada.
            Ainda tremendo muito, lavou as mãos e fotografou com o celular cada página, do início ao fim, colocou-o novamente no lugar, tornou a limpar-se e sentou na espreguiçadeira, sob a luz da lua.
            Seu passaporte para o futuro estava assegurado, respirou fundo.
            “O que farei agora?”, perguntou a si mesma. Na verdade Murilo não a obrigara a fazer parte de tudo aquilo, ela que se sentira na obrigação de ajudá-lo. Sentia um pouco de medo do namorado, mas não tinha certeza do que realmente ele seria capaz de fazer. Ao descer daquela moto, na primeira noite em que vira Kayque, ela escolhera correr riscos. “Mas por quê?”, continuava cruelmente a se questionar, “Por quê?”.
            A veia lateral de seu cérebro começara a saltar, uma imensa dor de cabeça estava por vir. A resposta estava ali, mas ela não queria admitir: “infelicidade”.
            Agnes se sentia infeliz, depositara no namorado uma carga muito grande de responsabilidade, de acordo com sua ótica destorcida, ele seria o detentor de toda a sua felicidade, casariam, teriam filhos e seriam felizes para sempre. Desconsiderou completamente as discussões que tinham, os acessos de raiva dele, suas inconsistências, dúvidas, assim como as dela própria. O possível conto de fadas era muito mais interessante que a vil realidade. Havia indícios muito pontuais de que Murilo não partilhava dos mesmos anseios que ela, mas abrir mão de um sonho era difícil para ela, mesmo sabendo que talvez se transformasse em pesadelo e desilusão. Condenara sua alma a ser prisioneira de suas fantasias de princesa no castelo.
            ____ Você fica linda assim distraída. __ disse Kayque.
            Ela o admirou, estava prestes a acabar com a vida dele, mas nutria sentimentos por aquele belo moreno que lhe sorria.
            ____ Gata, deixei meu celular lá embaixo, mas me empresta o seu para tirarmos uma foto nossa. A lua está linda lá em cima. __ pediu ele.
            Agnes achou que seu coração explodiria de tanto bater. As fotos do caderno de contas ainda estavam na galeria do telefone, ele acabaria descobrindo tudo.
            “Como pude ter sido tão burra?”, pensou, “Por que não enviei logo para o Murilo e apaguei tudo?”
            O descuido quando se comete uma traição, nada mais é do que desejo de ser descoberto, de acabar com a tensão, de se reconciliar consigo mesmo. Ela estava a beira de um colapso com a ideia de ser morta, e ali estava o incontestável momento.
            Algumas pessoas descrevem o afogamento como quase confortável, como silencioso, um contato hipnótico, algo que lembra a vida intrauterina. Era como se Agnes estivesse flutuando. Por algum motivo se lembrou de algo que lera anos antes, a “Regra dos três”, dentre os vários itens postulados, um deles é de que se pode sobreviver por três minutos sem oxigênio embaixo d’água. Encontrou forças para nadar até a superfície e respirou bem fundo.
            ___ Está aqui. __ buscou deixar a mão firme ao entregar o aparelho para ele.
            Ele o segurou por alguns instantes.
            ___ Gata, é melhor você tirar, as “selfies” que eu faço sempre saem horríveis. __ disse Kayque
            Agnes pegou o aparelho novamente e fez a foto, eternizou seus sorrisos naquele instante, nunca se esqueceria daquele dia.
            Disse a ele que não estava se sentindo bem, que queria ir para casa, o que lhe rendeu uma pergunta:
            ___ Gata, você está se cuidando? __ perguntou ele.
            ___ Me cuidando? __ ela parecia estar confusa.__ Kayque, acho que você está me confundindo. Sempre usamos preservativo. __ disse com raiva.
            ___ Claro, me desculpa. __ disse ele.
            A raiva foi tanta que ela sentiu gotículas de suor na testa, seu sangue fervilhava nas veias. Imaginava que ele teria outras, mas nunca passou pela cabeça dela que ele a confundiria dessa maneira. Ciúmes, ela estava com ciúmes.
            Ao chegar a casa, ligou para Murilo.
            ___ Oi. __ ele atendeu.
            ___ Eu consegui mais uma coisa. __ ela foi direto ao assunto.
            ___ Quer vir aqui?__ perguntou ele.
            ___ Se você quiser, posso mandar por mensagem. __ disse ela.
            ___ Agnes... precisamos conversar. Venha até aqui, é melhor. __ pediu ele.
            Ela não esperava, achava que o relacionamento deles havia acabado. Mas foi de coração aberto.
            As fotos foram passadas para o computador dele e encaminhadas a várias pessoas. Ela o deixara a vontade para fazer ligações e falar com quem deveria. Aparentemente uma operação seria deflagrada nos próximos dias: a polícia cercaria a favela por terra e pelo ar. Um helicóptero com até sete homens fortemente armados se posicionariam estrategicamente sobre o paiol, de maneira que os meliantes não teriam acesso as armas, ficariam cercados.
            Mas outros telefonemas seriam dados, uma ação como aquela deveria ser muito bem pensada, até porque Cem tinha informantes em todos os lugares, não seria tão fácil assim acabar com a quadrilha.
            Havia uma anotação muito importante no caderno, um grande carregamento de drogas chegaria em seis dias, de caminhão, dentro de móveis que supostamente seriam levados para alguma daquelas casas. Analisando as possíveis rotas por onde o veículo passaria, um caminho era certo: uma grande via de acesso. Montariam uma blitz bem no final da tarde e revistariam todos os carros, a fim de disfarçar o que realmente estavam procurando.
            ___ Agnes, __ disse Murilo bem sério __ você não pode mais aparecer por lá, quando essa carga for apreendida, imediatamente vão desconfiar de você.
            Ela não prometeu desaparecer da comunidade, apenas baixou os olhos, pois sabia que estaria arriscando alto, mas não conseguiria ficar longe de Kayque. Murilo entendeu aquilo como sinal de aquiescência, também não mencionou que incursionariam na favela no mesmo dia, pois possuíam mandados de prisão para Cem e muitos outros criminosos.
            Eles se despediram de maneira simples, com um beijo no rosto.
            Dia, ou dias suaves, tranquilos podem ser indicativos de que uma grande tempestade se aproxima. Agnes, naquela semana e há muito tempo, estava vivendo as duas situações, estava completamente tumultuada por dentro, mas buscava aparentar calma e tranquilidade. Mesmo com as clientes mais esnobes e enfadonhas, ela era gentil e atenciosa.
            Com dores de cabeça constantes, devido as longas noites em claro, e grandes olheiras, Agnes resolveu ver Kayque, justamente no dia em que pegariam as drogas.
            A comunidade estava em festa, vários brinquedos foram distribuídos mais cedo para as crianças, havia bolas coloridas enfeitando as traves da quadra de futebol e confetes pelo chão. Aquela era a comemoração anual do dia das crianças, totalmente patrocinada pelos traficantes. Várias pessoas passaram por ali, mas aquela hora, só estavam mesmo os relutantes em deixar as bebidas grátis para trás.
            Essa era uma das muitas estratégias usadas para iludir os moradores, para fazer de conta que os marginais não eram tão ruins assim, a finalidade era fazer com que ajudassem em caso de invasão da polícia, de milicianos ou de facções rivais. O preço por tudo aquilo era alto e seria cobrado em breve.
            Cem estava feliz, com uma lata de cerveja na mão e na cintura, sua arma preferida: uma pistola Colt, calibre 45 banhada a ouro e com punho de prata. A peça pesava aproximadamente 935 gramas, o que causava um volume excessivo na cintura dele.
            Agnes achou que ficaria contente, afinal, queria estar com aquele homem, mas sua certeza esmoreceu, olhando assim, friamente e fora da cama, ele não passava de um fracassado. Viver de crime não é fácil, como muitos dizem, mas não justifica ele sequer ter tentado algo diferente.
            ___ Gata, __ ele chamou__ venha aqui! Vamos tomar uma cerveja. Vamos festejar.
            Freud disse que às vezes um charuto é só um charuto. Agnes pensou que aquela situação não passava meramente do que foi: conseguir informações.
            Quando estava se aproximando dele, ouviu um estampido forte. Olhou na direção do som e viu vários policiais fardados atirando. Ficou em choque, não conseguiu se mover do lugar. Viu Kayque puxar a arma e atirar de volta, gritando:
            ___ São os homens, peguem os ferros!
            Mas havia um helicóptero sobrevoando por ali, eles não conseguiriam desenterrar as armas.
            Kayque puxou Agnes para junto de si, fez com que ela se jogasse no chão. Orelha estava próximo e atirando contra os policiais. O som dos tiros era assustadoramente alto. As balas voavam para todos os lados, a cena era de guerra, pessoas correndo para se abrigar, algumas chorando.
            Quando Agnes levantou um pouco a cabeça, viu Murilo. Os olhos se encontraram, os dele aparentavam surpresa e decepção, os dela, apresentavam a mesma surpresa. A jovem se sentiu traída por si mesma e pelo ex, que não lhe contou tudo, mais uma vez.
            Ela estava tão perto de Kayque que podia ver uma veia pequena, na lateral da cabeça pulsando forte, os olhos dele estavam vidrados, atirava como se a arma fosse uma pluma, algo fácil de manusear, o cheiro de pólvora era forte, impregnava os sentidos e a fumaça fazia os olhos dela arderem.
            Uma voz masculina gritou alto, era Orelha, fora atingido, havia sangue saindo de sua boca e nariz, mas ninguém foi socorrê-lo, morreria ali, sem amigos e sem auxílio. Alguns correram, outros, encorajados pela cocaína que haviam consumido pouco antes, ficaram ali, reagindo.
            Depois que uma faísca quente queimou o rosto de Agnes, ela olhou para o lado e viu que Kayque estava sangrando, havia sangue nela também, mas antes que pudesse ver como ele estava, os tiros continuavam, mais perto dela, eram outros bandidos, talvez um deles fosse aquele que tomaria o lugar de Cem na hierarquia do tráfico. Alguém gritou de alegria quando atingiu não um, mas dois alvos.
            Sem tempo para chorar, ela se arrastou pelo chão, de quatro começou a engatinhar buscando outro abrigo, todas as janelas das casas estavam fechadas, o mesmo poderia ser dito das portas. Cega de terror ela sabia que tinha que sair dali, ficou de pé e, correu o mais que pôde por aquelas vielas, não se preocupou com o fato de que estava pisando no esgoto que corria a céu aberto, estava focada em sobreviver.
            Por mais de uma hora durou o tiroteio, a polícia conseguiu dominar temporariamente a comunidade, vários homens foram presos, assim como um grande carregamento de drogas e várias armas: um fuzil 762, uma submetralhadora, algumas espingardas, duas granadas, coletes a prova de bala, além de um fuzil ponto 30, com capacidade para derrubar um helicóptero.
            Além das apreensões, a polícia militar do Rio de Janeiro sofreu duas baixas, os sargentos João da Rocha Lima e Murilo Vieira de Sousa ficaram gravemente feridos, não resistiram, faleceram antes de chegarem ao hospital. O sepultamento seria no cemitério Jardim da Saudade.
             Os policiais mortos receberiam medalhas póstumas por bravura e subiriam de patente.
            Todas essas informações, Agnes leu na internet, usando o computador da prima em algum lugar do nordeste do país.